“Quando nascesti tu…” O tenor argentino Marcelo Álvarez cantarola o trecho da ópera Lo Schiavo no saguão do hotel. “Que compositor incrível foi Carlos Gomes! Eu não entendo por que não cantam mais a sua obra.” Ele, por sinal, acaba de fazê-lo. A ária faz parte de seu novo disco, Twenty Years, com o qual comemora duas décadas de carreira. Mas é outro o motivo que o traz a São Paulo: a partir de sábado, 29, Álvarez é a estrela de uma nova montagem da Tosca, de Puccini, que encerra o ano do Teatro Municipal.

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Álvarez é um dos principais tenores da atualidade, presença constante em palcos como o Metropolitan de Nova York, o Scala de Milão ou as óperas de Viena, Paris e Berlim. É também figura controversa. Há alguns anos, disse que estava na hora de Plácido Domingo se aposentar e abrir espaço a uma nova geração. Sobre a decisão do diretor Franco Zeffirelli de demitir uma cantora por considerá-la velha demais para um papel, afirmou que se tratava “do gesto desesperado de um velho artista buscando continuar em evidência”.

No palco, no entanto, é elogiado pelo lirismo com que interpreta os grandes papéis do repertório de tenor. Sua trajetória no canto, no entanto, começou tarde. Na infância e adolescência, estudou música e cantou em coros em sua Córdoba natal. Aos 30 anos, no entanto, dividia-se entre o marcenaria da família e um curso de contabilidade. Até que sua mulher o convenceu a cantar para um professor que passava pela cidade. Chegou atrasado à audição e, sem nenhuma ária preparada, acabou interpretando uma canção militar argentina. Começou as aulas em seguida e, dois anos depois, mudou-se para a Itália.

Ele se diverte ao lembrar daquele momento. “Perdi as contas de quantas vezes ouvi as pessoas dizendo que não ia dar certo. Todo mundo falava que eu estava velho demais. Mas, por conta disso, o desejo de conseguir era imenso. E eu não tinha muito a perder, é verdade. O que importava para mim era poder cantar. Por isso, sempre digo a alunos: nunca é tarde.”

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Pouco após chegar à Itália, estreou no La Fenice, de Veneza. E não parou mais. Diz que o repertório francês – cantou Manon, Romeu e Julieta – o ajudou a aprender a cantar. E que, aos poucos, foi descobrindo a necessidade de interpretar papéis mais pesados. “Todos dizem que mudar de repertório destrói sua voz, mas, às vezes, é o que você precisa fazer justamente para que ela não seja destruída. E é claro para mim que o importante não é seguir o modelo de outros cantores, ser um novo Franco Corelli, um novo Di Stefano. Tenho sempre de ser eu mesmo, ser Marcelo Álvarez.”

Por conta disso, acha um problema a eterna referência ao passado feito pelo mundo da ópera. “Estamos sempre cantando com os mortos, e isso é insuportável. Sempre tem gente dizendo que o passado era melhor. Não, não era, mas estas são pessoas ultrapassadas que não aceitam que o mundo mudou porque, ao fazer isso, teriam de reconhecer que ficaram parados no tempo. O cantor hoje precisa ser muito mais completo, saber cantar e atuar. Além disso, as orquestras aumentaram muito, os teatros ficaram maiores e você canta muito mais do que antes. Como é que esses grandes cantores do passado se virariam em uma situação como essa? Essa pergunta ninguém faz.”

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