Para uma celebridade, que vive da imagem, Vera Holtz é muito ciosa da sua privacidade. Não gosta de dar entrevistas, muito menos de abrir sua casa para jornalistas – mas abre uma exceção para o jornal O Estado de S. Paulo. Só pede ao fotógrafo que não mostre muito de sua casa. A entrevista é feita à tarde, no apartamento de Vera na região dos Jardins. Piso de epox, paredes revestidas de material bruto, parecendo concreto. Móveis de design arrojado. O arquiteto responsável pela reforma, Renato Santoro, acompanha a entrevista. Além de amigo, ele é um dos responsáveis pelo estouro da atriz no Instagram. Vera criou uma persona através de fotos que, de alguma forma, e prescindindo de texto, comentam temas atuais, do Brasil e do mundo.

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Já tem mais de um milhão de seguidores, gente que não perde – e curte – essa outra persona da atriz. Embora seja um megassucesso nas redes sociais, Vera brinca – “Não sou muito boa nessa coisa de tecnologia. Sou incapaz de dar enter, para subir essas fotos. Felizmente tenho o Renato para me fotografar, o Evaldo para fazer o título. A coisa toda é muito profissa”, ri. Profissionalíssima. ‘Evaldo’ é o cineasta Evaldo Mocarzel, que dirige o documentário As Quatro Irmãs, que será atração na Mostra – que abre nesta quarta, 17, para convidados, e na quinta para o público. Na sequência, As Quatro Irmãs entra em cartaz nos cinemas. E tem a televisão. Vera permanece no ar com a reprise da novela Belíssima, no Vale a Pena Ver de Novo. Até há pouco podia ser vista também em Orgulho e Paixão, novela de Marcos Bernstein livremente adaptada da escritora Jane Austen. A novela também causou nas redes sociais, principalmente nos últimos capítulos, quando o par gay formado por Pedro Henrique Müller e Juliano Laham assumiu seu romance.

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Você deve lembrar-se da polêmica que foi o beijo gay de Félix na novela Amor à Vida. Pode ter sido pelo horário – a faixa das 9. Mas a polêmica poderia ter sido muito maior, porque Orgulho e Paixão era a novela das 6. As crianças estavam voltando da escola, ou fazendo o dever de casa. Nenhum escândalo. “O Marcos (Bernstein) fez um trabalho lindo, muito bem escrito. E os meninos eram muito fofos. O carinho dos personagens era tão genuíno que cativou a audiência.” Vera só tem elogios para os atores. “Essa geração é muito bacana. Estamos vivendo esse risco de retrocesso, num mundo cada vez mais retrógrado em termos de costumes.

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Sei que tem gente que reage mal, mas nesse caso houve aceitação. Os meninos eram tão do bem, se apoiavam tanto que dava gosto ver as cenas.”

É uma pena que o papel não consiga reproduzir o sotaque caipira de Vera Holtz. Nascida em Tatuí, interior de São Paulo, em 7 de agosto de 1953 – tem 65 anos, portanto -, Vera alterna-se entre residências em São Paulo e no Rio (“Tenho meu apartamentinho lá”), entre TV, teatro e cinema (e agora as redes sociais). É uma mulher do mundo, mas o sotaque ela não perde. No caso de Orgulho e Paixão, a personagem era caipira, do Vale do Café. Mas se engana quem pensa que ela tirava de letra e era fácil fazer. “É difícil falar caipira. Posso falar assim, aqui com você, mas na hora de representar vira trabalho de composição. O Marcos (Bernstein) me estimulava a falar caipirês e, quando recebia as cenas, eu lia aquilo e pensava. Minha família é enorme. Somos 53 primos e sobrinhos. ‘Vou fazer essa cena imitando o primo tal, ou a prima, ou o tio, a tia.’ Dessa maneira virava composição, e era gostoso, mas também trabalhoso de fazer.”

O sotaque caipira identifica Vera Holtz como o cabelo branco – descolorido. Na novela, a personagem usava uns cachos, para caracterizar a época. Ela dá uma risada gostosa quando o repórter diz que achava graça – irada, a personagem sacudia os cachos – as tranças? Isso ocorria porque não era fácil ser mãe de todas aquelas garotas de comportamento avançado para a época. “O Marcos conseguiu o prodígio de fazer uma novela que era avançada para o horário sem agredir ninguém. Virgindade, naquela época, e nem é preciso recuar tanto, era tabu, mas minhas filhas todas dormiam com os namorados antes do casamento.” Vera lembra a mãe. “Ela podia ter uma cabeça aberta para outras coisas, mas achava que as mulheres tinham de ser recatadas para impor distância. Dizia que a gente não devia se expor para não ser desrespeitada.”

O que mamãe pensaria de sua empresária em Belíssima, que tem aquele affair com o jovem michê interpretado por Cauã Reymond? “Ah, menino, não sei, mas a transgressão é própria da arte. Briguei muito com meu pai porque ele também era de impor limites ao comportamento das filhas. E não era retrógrado, não. Meu pai estava até adiante de sua época. Estimulava a gente, minhas irmãs e eu, a ter uma carreira. Dizia que devíamos ser autossuficientes e não depender de ninguém.” As irmãs Holtz. Eram quatro quando Evaldo Mocarzel fez seu filme – uma morreu. Há algo de Tchekhov nessas quatro irmãs cujas memórias ligam-se à da centenária casa da família, em Tatuí. Vera faz uma confissão. “Quando resolvi comprar meu apartamento em São Paulo, queria na Rua Tatuí, porque tem uma. Mas aí encontrei esse apartamento e fiquei com ele. Tatuí eu carrego na lembrança, e no coração.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.