Se, no início dos anos 2000, os musicais importados aportaram com força no Brasil, agora, uma década depois, parece ter chegado a hora de as comédias vindas de fora tomarem a cena nacional. Títulos cômicos que fizeram sucesso na Broadway – em Nova York – e no West End – em Londres – se tornam cada vez mais frequentes na cena nacional.
Além dos vários títulos desse segmento que já estão em cartaz em São Paulo, apenas nesta semana, a cidade recebe duas estreias que confirmam a tendência. Vidas Privadas e O Jantar têm em comum não só a origem estrangeira, mas também o peculiar humor do teatro anglo-saxão.
Distante do riso largo e da gargalhada, essas criações encontram seu território preferencial nos jogos de palavras, na ironia e, particularmente, no olhar ácido para comportamentos e vícios da sociedade. “É uma comédia trágica. E com uma estrutura dramática muito sólida. Muito diferente do vaudeville”, observa Mauro Baptista Vedia, diretor do espetáculo O Jantar.
Escrita pela britânica Moira Buffini, a obra trata do vazio espiritual e do tédio nas relações contemporâneas. Considerada a melhor comédia do West End em 2003, conta a história de um casal da alta sociedade que recebe alguns amigos para jantar.
Com o pretexto de celebrar o lançamento do livro do marido, a anfitriã não poupa os convidados de seus comentários cáusticos. Evidenciando o individualismo e o narcisismo extremos de cada um. “A autora detecta um panorama muito atual. O sujeito que enriqueceu na bolsa de valores e escreve um livro de autoajuda. O cientista que trabalha para o governo e é cheio de segredos. A mulher que tem tanto dinheiro que vive desconectada do real”, considera Vedia.
Uma das tradições da “alta comédia”, gênero do qual Oscar Wilde foi o expoente maior, é justamente lançar-se à investigação das classes mais abastadas. Outro traço essencial são as personagens, seus traços de caráter e suas complexas personalidades. “A história que está sendo contada não é desimportante. Não é um mero pretexto para fazer rir”, observa José Possi Neto, responsável pela encenação de Vidas Privadas.
Ainda que tenha bons e grandes representantes no gênero cômico, o teatro brasileiro especializou-se em outras variantes. Nossa tradição recai sobre a comédia de costumes (de França Junior e Martins Pena) e sobre as Revistas de Ano (difundidas por Artur Azevedo e há muito desaparecidas). Assim como aparece em seus derivados mais modernos, como o besteirol.
Nos anos 1980, Vidas Privadas alcançou a consagração na Broadway em versão com Elizabeth Taylor e Richard Burton. E, mais recentemente, voltou ao cartaz em Nova York com Kim Cattrall e Paul Gross.
Ambientada na Paris dos anos 1930, a peça fala de uma troca de casais pelo ponto de vista nada convencional de Nöel Coward (1899-1973). Separados há cinco anos, Amanda e Elliot se casaram com novos pares. No dia da lua de mel, contudo, descobrem-se hospedados no mesmo hotel. Voltam a se apaixonar. E fogem, deixando os cônjuges para trás.
A história acabaria aí. Mas eles não conseguem abandonar o jogo cínico e cruel que os separara da primeira vez. “Em todas as peças do Coward existe uma situação de quebra dos valores morais”, aponta Possi.
Ricos e civilizados, os protagonistas são também viscerais e tomados por uma liberalidade excessiva. Não se prendem às regras do contexto aristocrático em que viviam. Tampouco, parecem encontrar no sentimento amoroso um consolo para todos esses males. Se as convenções são uma prisão, a paixão é um desassossego sem-fim.
“Parece pouco chamar essa peça de comédia. A gente ri das situações que são apresentadas. Mas o que ela está fazendo é flagrar a palhaçada de uma sociedade que defende valores que estão caindo por terra”, crê a atriz Lavínia Pannunzio.
Não é simples, porém, transpor esse tipo de trama e humor para Brasil. “Como ser fiel a Coward sem ficar fazendo exercício de estilo inglês?”, questiona Possi. “Primeiro, eles são muito mais conservadores do que a gente. Estamos lidando com um contexto protestante.” Outra dificuldade são escolas de comédia diferentes. “É preciso estar atento. Por natureza, estamos sempre à beira da chanchada.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.