Augusto Boal passou boa parte de sua vida lutando contra o teatro. Contra aquele teatro que conheceu, “que dizia àqueles que assistiam quem eles eram, quais eram os seus problemas e quais as soluções a serem dadas”, comenta o filho do diretor, Julián Boal.
Em Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, o estudioso lançava-se à investigação de um novo meio de se relacionar com o público. Propunha subverter a lógica tradicional – intérpretes no palco, espectadores na plateia. Se as relações entre as pessoas não mudassem, nada poderia ser, de fato, transformado.
O livro, que é agora relançado, traça uma constante analogia entre artes cênicas e vida política. A mesma relação hierárquica que existia na sala de espetáculos se espraiava para fora dela: na maneira como dividimos o mundo entre as pessoas que sabem e as que não sabem, entre aquelas que têm o direito de agir e as que não têm. “A atualidade de suas ideias está precisamente aí: nessa dualidade que ainda pauta o nosso sistema parlamentar, um sistema de democracia em que o cidadão não tem o direito de se expressar. Ou, pior, em que sua expressão não é levada em conta”, pondera Julián.
Eram anos difíceis aqueles em que Boal se lançou a escrever essa obra. Desde 1956, havia se estabelecido em São Paulo. Após estudar direção e dramaturgia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, começara a exercitar um novo estilo de realismo. Também viria a nacionalizar a dramaturgia, criando textos como Revolução na América do Sul. E a forjar outras feições para os musicais quando trouxe à cena Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes.
A ditadura veio frustrar todo um virtuoso ciclo de produção. Ao ser obrigado a deixar o País, em 1971, o artista viu-se impedido de praticar o seu ofício. A solução? Migrar para o campo das ideias. “O Teatro do Oprimido tem a potência de um impulso interrompido.
Curiosamente, o fato de não poder fazer teatro não enfraqueceu o seu pensamento. Fez com que toda sua energia se concentrasse na reflexão”, diz Julián.
Foi por meio da palavra que esse artista dominou o mundo. Se seus títulos estavam fora de catálogo no Brasil e começam agora a ser reeditados, o mesmo não ocorreu em nações como os Estados Unidos e a Inglaterra, onde estão constantemente disponíveis. “Ele está sempre sendo publicado e republicado lá fora. Estou assinando novos contratos o tempo todo”, comenta Cecília Boal, psicanalista e viúva do estudioso.
Um de nossos mais importantes críticos teatrais, Sábato Magaldi já diagnosticava nos anos 1990 a necessidade de reter Augusto Boal no Brasil. “Sua potencialidade criativa não tem sido devidamente aproveitada entre nós. Enquanto o resto do mundo, dos Estados Unidos ao Japão, do Canadá a Austrália, valoriza a sua teoria e a sua prática.”
TEATRO DO OPRIMIDO E OUTRAS POÉTICAS POLÍTICAS – Autor: Augusto Boal.
Editora: Cosac Naify (224 págs., R$ 39,90).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.