Na 2ª edição do ?Outras Leituras?, que o Teatro da Caixa realiza nesta próxima quarta-feira, dia 4, será apresentada uma leitura experimental de Machado de Assis. ?Borba, o náufrago da existência?, é uma adaptação de capítulos dos romances Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891) feita pelo professor e poeta Mário Domingues, que também é o curador do projeto.
O próprio Mário explica que a opção pelo fragmento de romance, e não o conto, outra especialidade do bruxo do Cosme Velho, ?atende primeiro aos critérios a que se propõe o evento: leituras criativas de narrativas curtas brasileiras?. Outra opção, segundo o curador do projeto, foi ter o personagem Quincas Borba como protagonista. Isto porque ?Borba, o filósofo delirante, figura como coadjuvante nos dois livros. Fundou uma doutrina filosófica, o Humanitismo, ?destinado a derribar com todos os demais sistemas?. O nome vem de Humanitas, o princípio das coisas. Esse princípio está presente em cada homem e é a própria matéria do universo. Conforme a doutrina avança, a loucura consome Quincas Borba?, acrescenta Domingues.
Além de um efeito cômico causado pelo excesso de redundância do Humanitismo, há o absurdo das observações do filósofo, em relação estreita com a loucura. Essa loucura tem um molde caricatural, não se podendo hierarquizar o que nele é megalomania, paranóia, depressão ou esquizofrenia. Quincas Borba é também uma sátira a Auguste Comte e seu Positivismo, sistema filosófico muito em voga no Brasil no século XIX. Comte defendia que o conhecimento do mundo e das coisas vinha da observação e da experiência. Quincas, observando a natureza, é capaz de defender a guerra, a inveja e a política, a partir de um pensamento lógico.
Os leitores
No ?Outras Leituras? desta quarta-feira, o público vai assistir os atores Hélio Barbosa, Marino Júnior, Gabriel Gorositto e Richard Rebelo evidenciando que a grande piada de Machado é mostrar que a Lógica, categoria filosófica, expressão clássica da razão, também serve à formação de uma doutrina que de tão confusa, é a expressão clara da loucura. Borba é um louco que dominava a retórica: argumentar para convencer. O cômico está no fato de que se pode falar absurdos rigorosamente estruturados pela lógica e dentro das normas gramaticais da língua. Assim como Comte imaginava sua doutrina como uma religião do homem, Quincas Borba pretende que o Humanitismo seja a verdadeira e única religião do homem.
Por falar em língua, vale lembrar que Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba são livros de uma fase já madura de Machado de Assis. A relação entre a escrita irônica e elegante e os elementos cotidianos vindos do português falado brasileiro faz desses livros importantes marcos da prosa moderna brasileira. Vale lembrar que nessa época, o português oral no Brasil já estava distante da gramática de Portugal. Em Memórias Póstumas: ?Creiam-me, o menos mau é recordar?; ?as damas se sentiam superfinas.? ?Mas, vá lá: ou se há de dizer tudo ou nada?; ?Ah! ignorantona!?. E em Quincas Borba, outros exemplos: ?Lá isso, não, atalhou Rubião; para ele, morrer é negócio fácil?; ?e olhe que chorou que foi um nunca acabar?.
?Outras Leituras?
O objetivo do ?Outras Leituras?, segundo sua idealizadora, a atriz e produtora, Nena Inoue, ?é buscar encontrar um outro autor dentro do autor. O que autor que o público desconhece, e fazer isso através de leituras dramáticas criativas. Foi esse o tom do primeiro encontro, quando o público tomou contato com um Guimarães Rosa um pouco distante do mundo sertanejo que marca quase toda a obra do autor mineiro. O que foi mostrado foi um Rosa mais urbano, lírico e cheio de humor.
Na sua edição de agosto, o ?Outras Leituras? apresentará textos da escritora Clarice Lispector.
Serviço:
?Outras Leituras?, leituras dramáticas. Teatro da Caixa, dia 4 de julho, quarta-feira, às 20 horas. Ingresso: um livro não-didático. O Teatro da Caixa fica na rua Conselheiro Laurindo, 280. Informações pelo fone 2118-5233. Lotação do teatro: 123 lugares.
