Há poucos dias, Marc Boisson teve um momento luxuoso no saguão da Aliança Francesa em São Paulo. “Tínhamos, lá embaixo, Anne Kessler e Maurice Durozier”, diz, com ar de satisfação, o diretor cultural e de ensino da instituição. Anne é integrante da Comédie-Française, a mais antiga companhia teatral do mundo ainda em funcionamento. Durozier faz parte do grandioso Théâtre du Soleil. Ambos acertavam detalhes para apresentar espetáculos no palco da Aliança Francesa, que este ano celebra seu cinquentenário.
Trabalhando na sede paulistana desde 2011, Boisson se esforça para devolver à casa o renome que tinha nas décadas de 1960 e 1970. “Montamos um comitê de programação com produtores, atores e até uma sonoplasta”, afirma. A ideia é voltar a focar a curadoria em um teatro forte, com textos de fôlego.
Após abrir a programação com O Ovo, em 1964, e além da bem-sucedida tríade de Antunes Filho, o teatro deu lugar a outros bons espetáculos. É o caso, por exemplo, de Dois na Gangorra (1968), dirigido por Osmar Cruz e interpretado por Juca de Oliveira e Lilian Lemmertz, premiada com o Molière de melhor atriz. O palco do Aliança também rendeu prêmios a Marília Pêra, que, além do Molière, foi reconhecida pela então Associação Paulista de Críticos Teatrais (hoje Associação Paulista dos Críticos de Artes) pelo trabalho em Fala Baixo Senão Eu Grito (1969). Como muitas obras da época, o texto de Leilah Assunção abordava a repressão da ditadura. No enredo, um homem intimidava uma mulher. A peça voltou ao Aliança em 1973, desta vez protagonizada por Myrian Muniz.
A boa fase durou até o início dos anos 1980, quando o teatro começou a enfrentar um declínio. “Ele caiu no ostracismo devido à localização, problemas de mobilidade da cidade, questões que continuam até hoje”, diz o diretor do grupo Tapa, Eduardo Tolentino de Araújo.
Neste ponto, fica evidente que a história do teatro Aliança Francesa se mescla à história de São Paulo. Segundo o urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP José Eduardo Lefèvre, na época da inauguração do teatro, o centro da cidade já vivia um processo de alteração. “O início dos anos 1960 teve um pico de congestionamento que obstruía o acesso à região. Na época da ditadura, principalmente em 1968, quando chegou o AI-5, houve um esvaziamento das atividades culturais na área”, explica Lefèvre. Neste período, alguns cursos da USP se deslocaram para a cidade universitária e boa parte do comércio começava a subir para a Rua Augusta, até chegar à Avenida Paulista, onde o acesso era mais fácil.
Apesar de a sede da Aliança Francesa ficar bem próxima ao Elevado Presidente Costa e Silva, o Minhocão, o viaduto não pode ser analisado como uma razão única para explicar a deterioração da região. “É muito mais amplo do que isso”, diz o urbanista. “Além da migração das atividades, houve a mudança no sistema de transporte. O centro ganhou terminais de ônibus, como o Dom Pedro e o Bandeira.
Para ir de uma zona a outra da cidade, era obrigatório passar pela região central, o que mudou o perfil de quem frequentava a área.”
Se a situação era preocupante para o teatro, caiu como uma luva para o carioca grupo Tapa que, sob a batuta de Tolentino, procurava um espaço para apresentar O Tempo e os Conways (1986). Sucesso absoluto, a peça fez com que Tolentino propusesse à direção uma parceria de um ano: a companhia desenvolveria um repertório lá e, se desse certo, o acordo seria renovado. Durou 15 anos. “Foi um divisor de águas. Poucas companhias têm essa experiência ímpar de ficar com um teatro à disposição”, lembra Tolentino.
Um dos maiores sucessos do Tapa no Aliança foi Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Com estreia em 1994, a peça fez temporadas até 1999. Uma das sessões teve a presença do então recém-eleito presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. “Foi engraçado porque, quando ligaram para reservar o ingresso dele, a bilheteira disse ‘Olha, nem que fosse o papa!’. Estava tudo esgotado”, diz o diretor. No fim, a produção arranjou uma cadeira extra para receber o presidente.
Após anos de casa cheia, a parceria entre o teatro Aliança e o Tapa chegou ao fim em 2001. Na época, teve início a reforma do espaço, que reabriu em 2003 sob a direção de uma empresa que o alugava para outros eventos, dando menos visibilidade às artes cênicas. O teatro só voltou para o seu eixo original com a chegada de Marc Boisson à instituição, em 2011.
Comemoração
Até o fim do ano, cinco espetáculos vão ao palco do Aliança – dois em português e três em francês. O principal deles é Não se Brinca Com o Amor, que trouxe a francesa Anne Kessler para trabalhar, por dois meses, com um elenco brasileiro. De janeiro a março de 2015, o grupo tapa apresenta, sob direção de Tolentino, a Mostra Jean Genet, com duas peças do dramaturgo: As Criadas e Splendid’s. A Aliança busca recursos para lançar um livro e montar uma exposição sobre os 50 anos do teatro – ambos teriam curadoria de Tolentino. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.