Takashi Shimizu o novo Midas do gênero terror

d41.jpgNa entrevista que deu ao Grupo Estado, em Washington, para promover o lançamento de A Lenda do Tesouro Perdido – em exibição desde sábado (1) nos cinemas brasileiros -, Nicholas Cage disse quais os diretores com quem gostaria de trabalhar. Citou a prima Sofia Coppola, meio a fórceps admitiu que Walter Salles poderia ser uma opção interessante, mas o primeiro nome que citou foi o de Takashi Shimizu. Takashi quem? Se alguém tem dúvidas quanto ao nome, só pode ser coroa. A garotada toda sabe quem é Takashi Shimizu. É o diretor japonês que está reinventando o terror no cinema, com o sucesso de filmes como O Chamado e Dark Water (que Salles acaba de refilmar).

Nicholas Cage não é o único ator americano a querer filmar com Shimizu. Toda Hollywood queria o jovem diretor japonês. Ele foi cooptado pelo cinemão. Fez, com produção de Sam Raimi – de O Homem-Aranha 1 e 2 -, o filme de terror que estreou anteontem em salas de todo o País. É punk.

Só um entreato. O Grito teve pré-estréia na noite de anteontem em diversas salas. A do Cinemark do Páteo Higienópolis estava (quase) lotada. Antes do filme, propriamente dito, passou uma sucessão de trailers – todos de filme de terror. O que vem por aí promete um estouro de adrenalina no escurinho do cinema. Se você curte as emoções fortes, pode ir se preparando para esbaldar o id. O Grito pode ser seu vestibular para essa fase (ou tendência). Se passar no teste, siga em frente.

O Grito – deve haver cinéfilo arrepiado só de pensar que o terror de Takashi Shimizu tem o mesmo título do clássico de Michelangelo Antonioni que acaba de ser lançado em DVD (pela Versátil). Antonioni investiga os sentimentos, fala de solidão e incomunicabilidade. É um cinema de densidades e sutilezas.

Curiosamente, o terror de Shimizu também tem solidão, incomunicabilidade, densidade. Tem até sutileza – uma curiosa forma de sutileza. O diretor foge à tendência que, no Ocidente, é chamada de gore. Seu terror não é gosmento. E não é de brincadeira como o de séries tipo Pânico e Todo Mundo em Pânico. Takashi Shimizu aprofunda Blake Edwards, em seu único filme hitchcockiano. Escravas do Medo, dos anos 1960, chama-se Experiment in Fear, no original. Shimizu também testa os limites do medo. Logo no começo de O Grito, um homem comete suicídio, gratuitamente. Lança-se para a morte, sem nenhuma preparação prévia. E começa a história da casa assombrada, precedida pelo letreiro que informa – segundo a tradição japonesa, quem morre num estado de grande angústia ou fúria produz uma maldição que assombra certos lugares.

A casa de O Grito é assombrada. Ocorre uma série de mortes brutais, sempre precedidas pela aparição do menino e do gato, ou de ambos. A força destruidora é encarnada pela mulher do grito – cuja boca, expressionisticamente, se contorce como no quadro de Edward Münch, sem que se ouça, no entanto, o som. E os cabelos tecem uma teia vertiginosa – você se lembra da cabeleira preta e lisa da garotinha afogada de O Chamado. É nesse quadro que Sarah Michelle Gellar e o namorado se movimentam, tentando destruir a maldição.

Hollywood conseguiu cooptar Takashi Shimizu, mas teve de seguir as condições que ele impôs – O Grito passa-se no Japão contemporâneo, tratando do choque de culturas, já que a dupla de protagonistas é esse casal de jovens americanos, participantes de um programa de intercâmbio cultural. Estranhos numa terra estranha e confrontados com referências culturais mais estranhas ainda, eles descobrem a existência dos fantasmas rancorosos que assombram Shimizu e o moderno terror japonês de um autor como Koji Suzuki, que deu origem a O Chamado. Suzuki detesta ser chamado de Stephen King japonês, mas seus livros vendem milhões de exemplares, inspiram mangás, viram séries de TV e filmes. O Chamado deu origem a um culto e faturou mais de US$ 250 milhões em todo o mundo. O Grito faturou mais de US$ 100 milhões só nos EUA. Takashi Shimizu é o novo Midas do terror.

Fantasmas sempre assombraram o cinema japonês. Cinéfilos devem lembrar-se dos fantasmas de Contos da Lua Vaga, de Kenji Mizoguchi, ou dos outros, mais destrutivos, de As Quatro Faces do Medo (Kwaidan), de Masaki Kobayashi. Os de Shimizu aproximam-se mais dos de Kobayashi que dos de Mizoguchi. Têm raízes na crença budista do fantasma vingativo – que carrega na morte os ressentimentos adquiridos em vida e não cessa de exigir vingança, como a garotinha de O Chamado e, agora, o espectro da mulher de O Grito. Esse terror, ao contrário do que ocorre nos exemplares ocidentais, não é catártico. Em Pânico, por exemplo, você se assusta, mas ri bastante e sabe que, no final, vai dar tudo certo – mesmo que a porta fique aberta para (mais) uma seqüência. Shimizu não dá esse refresco.

Há sempre, nos seus filmes, o twist final (e assustador). É algo profundamente encravado na cultura e na realidade japonesas. O país do desenvolvimento tecnológico saltou, em menos de um século, da feudalidade para os escombros da bomba atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki no fim da 2.ª Guerra Mundial e produziu monstros como Godzilla e Mothra, que invadiram as telas na década seguinte, liberando fobias que assombravam o inconsciente coletivo japonês. É revelador da época atual que, no mundo todo, existam espectadores dispostos a compartilhar esse medo ancestral que faz do Japão, com sua história tão particular, a nova pátria do terror.

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