Em 1996, Taís Araújo se tornou a primeira atriz negra a protagonizar uma novela. Era Xica da Silva, exibida pela extinta TV Manchete, na qual interpretava a escrava que escandalizou a sociedade do Século XVIII. Oito anos depois, a mesma atriz é também a primeira protagonista negra de uma novela da Globo. Ela vai estrelar Da Cor do Pecado, que a emissora estréia no próximo dia 26. Desta vez, na pele de uma jovem comum, que vai disputar o coração do mocinho da trama, interpretado pelo galã Reynaldo Gianecchini.
Como provam os papéis de Taís, alguma coisa mudou nesse intervalo de tempo. O Brasil que aparece na tevê está “um pouco mais negro”. Além disso, já é possível ver atores negros bem longe do estereótipo do bandido ou do serviçal – como o fotógrafo Bruno, interpretado por Sérgio Menezes em Celebridade, ou o aficcionado por computadores Mateus, vivido por Jorge de Sá em Malhação. “Minha primeira reação foi cair no choro. Não tanto por mim, mas por todos que vêm batalhando por isso há anos”, vibra Taís, ao falar sobre sua escolha para viver Preta.
De fato, a escalação de Taís é saudada com esperança por atores que sempre lutaram pela inserção dos negros no mercado de trabalho artístico. A atriz Zezé Motta, que em 1984 resolveu cadastrar e apoiar os artistas negros pelo Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), acredita que a situação tenha realmente mudado. “Tinha certeza de que isso aconteceria. Já sinto uma preocupação da mídia com a distribuição de papéis”, avalia Zezé, que vai estar no elenco de Metamorphose, a próxima novela da Record, no papel de uma enfermeira. Já Camila Pitanga, que viveu a médica Luciana em Mulheres Apaixonadas, acha que ainda há muito o que conquistar. “É claro que estamos caminhando, mas ainda não há um equilíbrio em relação àquilo que o negro já representa na sociedade”, opina.
Em Da Cor do Pecado, o autor João Emanuel Carneiro não pretende abordar a questão racial no relacionamento entre Preta, personagem de Taís, e Paco, vivido por Gianecchini. Em lugar de discutir o preconceito, ele preferiu optar pela naturalidade ao retratar o romance entre uma negra e um branco. “Não quero levantar bandeira, mas a relação é oportuna, principalmente num país de fortes contrastes sociais”, explica o autor. Da mesma forma, Gilberto Braga conta que se valeu de uma “estratégia” parecida para tratar do preconceito em Celebridade. “Dizem que um dos modos de lutar contra o racismo é falsear a realidade, mostrar negros que não sofrem qualquer tipo de discriminação”, conta Gilberto, que se diz satisfeito com o resultado. Além do fotógrafo Bruno, a trama mostra Janaína Lince no papel de Zaíra, uma das assessoras de Maria Clara na Melo Diniz. “Deve ser agradável para uma criança pobre e negra, num país racista como o nosso, ver o Sérgio no Bruno ou a Janaína na Zaíra”, comenta o autor.
Mas a profissão ou a posição social dos personagens nem sempre é fator determinante. Um bom exemplo é o seriado Turma do Gueto, da Record, atualmente em sua quarta temporada. Com elenco formado essencialmente por negros, foi a maior audiência da Record em 2003. A história gira em torno de uma comunidade pobre e marginalizada, mas o diretor Pedro Siaretta não vê nisso nenhum demérito. “Isso só prova que o público tem interesse em ver o que se passa na periferia e que há espaço para se discutir o preconceito na tevê”, defende.
Atualmente, o Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro tem cerca de quinhentos atores cadastrados. De lá, já saíram nomes para o elenco de filmes como Cidade de Deus, Xangô de Baker Street, Cruz e Sousa, O Menino Maluquinho e Madame Satã.