Uma cena "quente" entre dois personagens do mesmo sexo não será testemunhada tão cedo pelo telespectador brasileiro. Ainda que a sociedade urbana encare o homossexualismo com cada vez mais normalidade, a idéia não é das mais populares. Em tramas contemporâneas, incluir personagens homossexuais não vai causar alvoroço. Mas as cenas românticas entre "iguais" ainda são tabu.
Daí as limitações que a abordagem do tema enfrenta, ainda mais num produto que pretende atingir uma número massivo de pessoas, como uma novela. Por isso, mesmo que o brasileiro seja considerado moralmente liberal, o moralismo remanescente responde com uma forte rejeição. Mesmo assim, os autores tentam avançar na questão, passo a passo. "É mais uma ação de jogar as cartas na mesa e quebrar tabus. Se vai retratar um universo real do cotidiano humano, a figura do homossexual está inserida nele", define Glória Perez, autora de América, novela que antecedeu Belíssima, atual trama das oito da Globo.
Em seu último folhetim, a autora criou o Júnior, vivido por Bruno Gagliasso. O personagem tinha dúvidas sobre sua sexualidade e muito receio de revelar isso para a mãe Dona Neuta, de Eliane Giardini. Ele acaba se apaixonando por Zeca, de Erom Cordeiro, e assumindo sua vocação para o trabalho de estilista. Sem pretender abordar a questão de maneira didática, o objetivo de Glória foi apenas mostrar uma realidade que vem se impondo entre os jovens do mundo inteiro, postura diferente da que gerou Sarita Vitti, travesti vivida por Floriano Peixoto em Explode Coração que transgrediu a imagem negativa do grupo. "Não era um gay, mas um cara que se dizia mulher, lúdico e diferente", explica o ator, intérprete do Atílio de Cidadão Brasileiro.
Se Sarita Vitti enfrentou os preconceitos com a imagem do travesti "politicamente correto", o Ubiraci de Senhora do Destino andou totalmente na contramão. No melhor estilo "gay caricato", Luiz Henrique Nogueira foi um dos trunfos cômicos da trama de Aguinaldo Silva na pele de Bira, ao lado do namorado Marcão, homem grande e forte interpretado por Luiz Nicolau. "Tive um pouco de receio por causa do tom do personagem e acabei surpreendido pela receptividade dele", recorda o ator, que vive atualmente o gago Pestana em Prova de Amor.
Tiago Santiago, autor da novela das sete da Record, só não inseriu a questão da homossexualidade na trama porque o horário definido como livre não permite. De todo modo, ele deixou no ar uma possibilidade de relacionamento entre as personagens Janice e Raquel, interpretadas por Fernanda Nobre e Maria Ribeiro. E tamanha foi a repercussão que Tiago chegou a pensar em propor um capítulo interativo em que o público decidiria se as duas moças ficariam juntas ou não. A idéia, no entanto, foi descartada. "A telenovela funciona como espelho da realidade. E gays existem aos montes na vida real", sustenta o autor.
Independentemente do objetivo, a abordagem do homossexualismo na tevê deixou de ser mito. Ao contrário, a inserção desses personagens enriquecem as tramas e abrem um leque de possibilidades aos autores e atores. "Os personagens gays são bons de serem escritos porque têm muitos dramas reunidos", avalia Maria Carmem Barbosa, autora de A Lua Me Disse. Seja para adornar ou polemizar, alguns papéis servem inclusive para retratar preconceito de época, como o vivido por Camila Morgado na pele da jornalista Ana Rosemberg em JK, minissérie assinada por Maria Adelaide Amaral. "Na época retratada, os homossexuais eram considerados doentes mentais, tamanho era o preconceito", completa a atriz.
Perfil conservador
A sociedade brasileira costuma ser vista como sexualmente liberal, principalmente por causa do Carnaval. Na teoria, é isso mesmo. Na prática, porém, não é bem assim. Tanto que, apesar do homossexualismo não ser mais considerado "tabu", há sempre demonstrações explícitas de intolerância. Em novelas, personagens homossexuais costumam sair do controle dos autores e serem tratados como assunto estratégico pela emissora. Como o beijo entre Júnior e Zeca, de Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro, em América, que chegou a ser gravado e não foi ao ar. "Foi uma frustração e um retrato do preconceito", protesta Gagliasso, que faz o Ricardo de Sinhá Moça.
A autora achou que atualmente o assunto teria aceitação. Ao contrário de outros tempos, como quando fez Carmem, em 1987, na extinta Manchete. Na trama, ela construiu uma imagem positiva de Dr. Junot, empresário durão e pai de família vivido por Maurice Vaneau, antes de revelar que ele era homossexual. "As pessoas, muitas vezes, já olham com preconceito. Ele era um personagem muito interessante, o contrário de tudo o que o preconceito diz", garante.