Ilustração de Marco Jacobsen sobre Guernica de Picasso. |
Rita Cristina Monteiro Coelho, a produtora cultural que aparece nos quatro projetos suspensos por irregularidades na última edição do Programa Conta Cultura – que juntos receberiam R$ 375 mil -, está sumida. E vem se revelando misteriosa.
Desde o estouro do escândalo, no último dia 22, as informações sobre seu paradeiro são desencontradas. O que preocupa mais é que ela teve dezenas de projetos aprovados pela Lei Rouanet. No ano passado, só no Paraná, foram oito projetos encaminhados, no valor de R$ 541 mil (R$ 429 mil da Petrobras e R$ 112 mil da Copel).
A carreira de agente cultural de Rita Coelho teve início em contato com os artistas, como vendedora de tintas e pincéis. Uma das referências que Monica Rischbieter, secretária de Cultura, tinha dela é recente. Esteve com Rita no ano passado, quando acompanhava o maestro Júlio Medaglia, para apresentar projeto de criação de orquestra filarmônica do Paraná.
Contatado ontem por telefone, o maestro confirmou que esteve com o governador Jaime Lerner e com Monica Rischbieter para tratar do projeto da orquestra. Contou que conheceu Rita Coelho em Manaus e recorda que ela esteve lá quando foi criada a Amazonas Filarmônica. Júlio Medaglia informou ainda que Rita lhe contou ser casada com o médico Volney Garrafa, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética. “Eu apenas a conheço, não tenho nenhuma relação com ela. Na minha visita à Secretaria da Cultura, ela se mostrou bastante interessada no projeto, disse que poderia ajudar na execução, na condição de produtora cultural”.
Procurado pela reportagem ontem à tarde, Volney Garrafa negou qualquer relacionamento com Rita Coelho. E reagiu com irritação: “Essa mulher é uma vigarista de marca maior, é metida a rica, diz que foi casada com o Odebrecht, que mora na República Dominicana…” Conta que a conhece há mais de 20 anos, e lembra: “Fui dar uma conferência sobre bioética aí em Curitiba e ela jantou conosco, só isso”.
No currículo apresentado à Secretaria da Cultura, Rita, que mora em Curitiba, na Rua Ubaldino do Amaral esquina com XV de Novembro, arrola algumas empresas famosas para as quais teria trabalhado. Mas todas negam conhecê-la. Constam ainda diversos cursos universitários. Contudo, a Secretaria da Cultura já descobriu não ser verdade. Diante dessas novas informações, não só os artistas que a produtora deixou em maus lençóis estão preocupados. Sete pintores, que tiveram seus projetos encaminhados por ela em 2001, estão apreensivos, pois ainda não receberam o dinheiro, muito embora a Petrobras já tenha repassado a verba.
Sabe-se que Rita é morena, tem traços indígenas e aparenta ter 45 anos. Tem um jeito de amazonense, segundo os artistas. Aliás, a última informação é de que ela estaria em Manaus. Ela andou dizendo também que estava muito doente, realizando exames em Nova York. Porém, o que se soube é que na verdade ela teria feito cirurgia plástica, e em Curitiba.
Vem aí nova Conta Cultura
A Secretaria da Cultura vai fazer um novo edital da Conta Cultura nas categorias artes plásticas e patrimônio, suspensas devido à adulteração do Diário Oficial em quatro projetos de oito artistas. Esses projetos terão que concorrer novamente com todas as outras propostas enviadas ao programa. O edital ainda não tem data para sair.
A secretária Monica Rischbieter reitera a confiança nos artistas – “tenho certeza que eles não fraudaram nada” – e lembra que a verba permanece disponível. “Já falamos com a Copel e a Sanepar e esse dinheiro está garantido, não vai para outras áreas”.
A irregularidade descoberta pela Secretaria da Cultura é a seguinte: duas edições do Diário Oficial da União, dos dias 14 e 27 de maio, foram fotocopiadas com informações falsas anexadas às portarias do Ministério da Cultura. Essas portarias davam conta da aprovação dos projetos de Guilmar Silva, Mazé Mendes, Lígia Borba, Laura Miranda, Denise Bandeira, Eliane Moreira, Ana Mariah Comodos e Jozele Penteado. O fato em comum é que todos foram tocados pelo escritório Cenário Cultural, da produtora Rita Coelho. Os artistas vão fazer uma representação contra ela no Ministério Público, pois se sentem lesados e se dizem inocentes.
Fraude prejudica patrimônio
A restauradora Jozele Penteado é a proponente de uma das iniciativas atingidas pelo torpedo lançado por Rita Coelho – a restauração do acervo da Sociedade Literária Lapeana. É o único projeto da área de patrimônio. Ela conta que está há mais de um ano envolvida com a recuperação de mais de 500 livros, ameaçados pelas más condições de conservação e pelo ataque de brocas e cupins. “São livros belíssimos, alguns raros, com belas encadernações, dos séculos XVIII, XIX e XX, que registram o Cerco da Lapa e outros dados históricos importantes. Acho que a Lapa precisa desse projeto”, diz ela.
Jozele contratou os serviços da agente cultural Rita Cristina Monteiro Coelho, do escritório Cenário Cultural, para cuidar da parte burocrática do projeto. Nesse caso, a fraude está na data da aprovação do redimensionamento de verba solicitado pelo Ministério da Cultura. A Secretaria da Cultura recebeu uma cópia da portaria ministerial datada de 27 de maio, quando na verdade, segundo carta que a restauradora recebeu do secretário de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas, Octávio Elísio Alves de Brito, a aprovação deu-se só no dia 17de julho.
Com essa data, porém, o projeto não teria tempo de ser incluído nesta edição do Conta Cultura, encerrada em maio, o que explica a fraude. Jozele é uma das únicas artistas a ter um contrato assinado por Rita Coelho, em que ela se compromete a encaminhar a proposta e a cuidar de toda a parte burocrática. “Se eu soubesse que ele não tinha sido aprovado, eu nem teria pedido para entrar”, afirma a restauradora.
Normalmente, os agentes culturais recebem 10% sobre o valor total do projeto (o valor recebido pela Conta Cultura mais o que for captado depois). No caso da proposta de Jozele, esse valor corresponderia a R$ 14.946,55 (um décimo dos R$ 149.465,52 aprovados). Outra prática comum é o pagamento adiantado de uma parte da remuneração do agente (que tem o mesmo trabalho se o projeto é aprovado ou não). “Eu não paguei nada, não tinha dinheiro”, conta Jozele, que ainda espera explicações de Rita Coelho : “Ela deveria ser a primeira a defender os seus clientes”. (LP)