Entre outubro de 1976 e fevereiro de 1977, boa parte dos brasileiros passava o final de tarde grudada na TV. Primeira novela das 18 horas a fazer grande sucesso, “Escrava Isaura” encantou o público ao oferecer uma crítica política camuflada de enredo romântico: a luta da escrava branca que, no século 19, buscava se libertar de um malvado feitor traduzia o sentimento de opressão popular naquela época de ditadura militar. “Foi nosso grande trunfo ao driblar a censura”, comenta Gilberto Braga, autor da novela que agora ganha uma versão em DVD, com cinco discos e mais de 15 horas de duração.
Braga inspirou-se no romance publicado por Bernardo Guimarães em 1875 mas, antes de fazer uma adaptação, utilizou o original como argumento para criar uma história original. “Acho que o sucesso se deve à força da trama do romance de Guimarães”, disse Braga à reportagem. “A escrava que não cede ao desejo de seu senhor é um tema que pega qualquer pessoa. Todos nós temos medo de quem é mais forte. E o medo é o sentimento mais forte do ser humano. Muitos acham que é o amor, mas o medo é mais forte.”
Ele se inspirou principalmente na melodramática versão para o cinema de “O Morro dos Ventos Uivantes”, dirigida por William Wyler em 1939.
A novela alcançou um sucesso retumbante não apenas no País, mas até avançou fronteiras comunistas. Alçou também ao sucesso uma atriz então iniciante, Lucélia Santos, que, no papel da escrava Isaura, recebeu um inédito prêmio na China. “Eu só tinha experiência em teatro, o que foi fundamental na criação da personagem”, relembra ela. “Tudo que aprendi com Eugênio Kusnet se aplicou perfeitamente na TV, e se aplica até hoje em todos os veículos.”
Outro fator que contribuiu para o sucesso foi a interpretação de Rubens de Falco (1931-2008) como o malfeitor Leôncio, um vilão cativante que provocou adoração e raiva no público – valiosa lição, aliás, que Gilberto Braga aprendeu com o cineasta Alfred Hitchcock. “O vilão deve ter charme e ser saboroso”, observa o teledramaturgo. “Rubens imprimiu uma sensualidade e uma dubiedade ao personagem que transformaram aquele homem malévolo em alguém desejável”, completa Lucélia.
A trama acompanha a trajetória de Isaura, escrava branca e órfã, criada com muito cuidado pela sua senhora, Ester (Beatriz Lyra). Com a morte de sua protetora, Isaura passa a sofrer nas mãos de Leôncio, que a persegue e maltrata. Entre eles, surge Álvaro (Edwin Luisi), um abolicionista, que salva sua heroína de tantas penúrias.
Outro marco histórico de “Escrava Isaura” foi sua abertura, com a exibição de gravuras de Debret retratando a sociedade do Rio de Janeiro do século 19 e, principalmente, a canção-tema, “Retirantes”, música de Dorival Caymmi e letra de Jorge Amado, que virou um hino evocado até hoje para simbolizar, com boa dose de ironia, o excesso de trabalho tanto de brancos como de negros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
ESCRAVA ISAURA
Autor: Gilberto Braga. Direção: Herval Rossano e Milton Gonçalves (Globo Marcas, cinco discos, R$ 89,90)