Suassuna era um incansável defensor da cultura nacional

A imortalidade parecia não bastar para Ariano Suassuna, também interessado na onipresença – membro da Academia Brasileira de Letras desde 1990, que lhe garantia a simbólica perenidade, o escritor paraibano, que morreu nesta quarta-feira, 23, aos 87 anos, cruzava o Brasil com suas famosas aulas espetáculos, encontros disputadíssimos em que ele relembrava fatos, comentava sobre a atualidade, discorria sobre literatura.

Na verdade, Suassuna está fundamentalmente enraizado na cultura brasileira, defendendo-a com clamor, mas também com rigor, separando o joio do trigo. “Um país que tem Os Sertões pode ser dominado politicamente, pode ser aviltado, mas estará sempre a salvo”, disse, certa vez, reafirmando a defesa de uma causa que lhe garantiu acusações de xenofobia, especialmente quando investia contra o que considerava lixo cultural imposto por nações como os EUA. Ele dava de ombros: “Sou velho mas tenho muita energia. Quem quiser duelar comigo, que venha preparado”.

Homem obstinado – não media esforços para traduzir em palavras e imagens a grandeza de seu universo tão particular, de onde saíram personagens e tramas fantásticas – em todas as acepções da palavra. Ariano Vilar Suassuna nasceu em João Pessoa, na Paraíba, em 16 de junho de 1927. Com 3 anos, seu pai, João Suassuna, foi assassinado por motivos políticos, no Rio, e a família foi obrigada a se mudar para o interior do Ceará. Lá, fez seus primeiros estudos e assistiu pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” seria uma das marcas registradas também da sua produção teatral.

Na literatura, estreou em 1947, com Uma Mulher Vestida de Sol, mas foi com Auto da Compadecida (1955) que se tornou nacionalmente conhecido. A peça nasceu da fusão de três folhetos de cordel: O Enterro do Cachorro, O Cavalo Que Defecava Dinheiro e O Castigo da Soberba. Conta com 16 personagens e exibe conexões com o teatro medieval, especialmente com Calderón de La Barca.

Tal mescla se tornou uma de suas principais características. A sátira social marca O Casamento Suspeitoso, de 1957, a menos rural das peças de Suassuna, não apenas pelo tema como pela estrutura. Com O Santo e a Porca, também do mesmo ano, Suassuna criou personagens pertencentes às famílias constituídas e a temática em ambas é centrada no interesse pelo dinheiro associado ao matrimônio.

Na verdade, os personagens retomam a tradição do teatro popular, “a dupla circense que o povo, com seu instinto certeiro, batizou admiravelmente de o Palhaço e o Besta”, como disse ele, certa vez. A mistura de elementos aparentemente tão díspares confere um tom singular à obra, pois Suassuna exibe uma sociedade voltada para o esnobismo e a difamação – assim, a simpatia do público é naturalmente dirigida aos que se opõem a essa sociedade ou dela são excluídos.

“Meu teatro procura se aproximar da parte do mundo que me foi dada”, disse.

Ariano também foi o idealizador do Movimento Armorial, que tem como objetivo criar uma arte erudita com os elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro.

Dos seus textos narrativos, o mais marcante foi O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, publicado em 1971. Inspirado em um episódio ocorrido no século 19, no interior de Pernambuco, o livro acompanha Quaderna, personagem que é preso na cidade de Taperoá por subversão.

Ele faz a própria defesa diante do corregedor e, para tanto, relata a história de sua família, escrita na prisão. Declara-se descendente de legítimos reis brasileiros, castanhos e “cabras” da Pedra do Reino – sem relação com os “imperadores estrangeiros e falsificados da Casa de Bragança” – e conta o seu envolvimento com as lutas e as desavenças políticas, literárias e filosóficas no seu reino.

Um “romance-memorial-poema-folhetim”, como definiu Carlos Drummond de Andrade, o livro é considerado um monumento literário à cultura caboclo-sertaneja nordestina, marcada pelas tradições do mundo ibérico.

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