Para falar sobre uma beleza inatingível, Jirí Kylián imaginou uma rosa índigo. Mas, assim como a perfeição, a flor não existe. A beleza utópica, portanto, só poderia ser encontrada na imaginação de quem é jovem, um sonho que, para o coreógrafo checo de 68 anos, pode ser facilmente destruído pelas experiências acumuladas durante a vida. Nesta quinta-feira, 4, às 21 horas, a São Paulo Companhia de Dança estreia Indigo Rose no Teatro Sérgio Cardoso, no centro da capital.
É o terceiro trabalho de Kylián – um dos maiores nomes da dança no mundo – a integrar o repertório da companhia. Entre esta quinta, 4, e domingo, 7, a SPCD também apresenta outras criações do checo: Petite Mort, Sechs Tänze e vídeo com trecho de Birth-Day. A temporada segue até o fim do mês com obras de outros artistas. “Adoraria ir (para a estreia), mas não posso voar. Tenho claustrofobia, é terrível”, disse Kylián, em entrevista por telefone ao jornal O Estado de S.Paulo.
Com música de John Cage, Robert Ashley, François Couperin e Bach, Indigo Rose une lirismo à precisão e virtuosismo dos movimentos, marcas do coreógrafo. A obra foi criada em 1998 para a NDT 2, braço da companhia holandesa Nederlands Dans Theater, composta de bailarinos entre 16 e 21 anos. Kylián formou esse grupo secundário em 1978, com o objetivo de facilitar a transição dos novatos para NDT principal.
Diretor da Nederlands por 25 anos, Kylián também foi responsável pela criação da NDT 3, com bailarinos acima de 40 anos. “Acho que bailarinos podem dançar do útero ao túmulo.” Cada um dos grupos permitiu ao coreógrafo desenvolver uma faceta de seu papel como criador e orientador. “Trabalhar com os mais velhos é como estar em uma biblioteca e folhear livros fantásticos, com histórias maravilhosas. Quando você olha a vida de um bailarino jovem, as páginas estão vazias, algo ainda precisa ser escrito.”
Temas
Os trabalhos de Kylián sempre permeiam os paradoxos entre a vida e a morte e, no meio deles, o amor. Mas o checo não usa sua arte para compreendê-los. Assim como a busca pela beleza perfeita, a procura por respostas para o que ele chama de “os maiores mistérios de nossa vida” é inútil.
“Você nunca os consegue entender. Amor é um camaleão, sempre muda. Conforme você envelhece, até a palavra ‘amor’ vai mudando. E, claro, a morte é o grande desconhecido. Não sabemos o que vem depois. E essas são as duas coisas fascinantes: você nasce e morre, e preenche sua vida com amor, se tiver sorte. Se tiver sorte…”
Apesar da densidade dos temas, o trabalho do checo não é incompreensível. Em muitas de suas obras, usa elementos cômicos, como em Sechs Tänze, que a SPCD apresentará. “Vida sem riso não é vida. É como comida sem tempero. Se não pudesse rir, não iria querer viver.”
O humor de Kylián, segundo ele, tem duas origens. Primeiro, o país em que nasceu, em 1947. “Somos um país pequeno. Os checos sempre foram a bola de tênis entre os grandes países ao redor, alemães, russos… Tivemos de desenvolver um certo tipo de humor para sobreviver a esse tratamento. Se você ler Milan Kundera e assistir a filmes de Milos Forman, verá isso.” Mas quem o ensinou a rir de si mesmo foi a bailarina Sabine Kupferberg, casada com Kylián há 43 anos. “É uma das pessoas mais engraçadas que conheço.”
Seja com ou sem humor, Kylián sempre se preocupou em fazer obras acessíveis. Ele afirma que é mais gratificante ser elogiado e compreendido por alguém de fora da dança. “Fico mais feliz quando um advogado ou um médico fala que gostou de uma coreografia, que cresceu com ela, do que quando um bailarino diz isso. É perigoso fazer arte apenas para a elite. Gostaria que a dança tivesse um horizonte maior, para todos.”
Pelo mundo
Kylián começou os estudos em dança no início dos anos 1960, no Conservatório de Praga. Em 1967, ganhou bolsa para estudar na Royal Ballet School, em Londres. Lá, conheceu o coreógrafo John Cranko (1927-1973), que ofereceu ao checo lugar no Stuttgart Ballet. Dois anos depois, Cranko já pedia para Kylián criar suas próprias obras.
Na Alemanha, Kylián conheceu a brasileira Márcia Haydée, de quem se tornou grande amigo. Para ela e Richard Cragun, criou seu primeiro grande trabalho, Kommen und Gehen, em 1970. “Minha bailarina favorita. Por meio de Márcia, conheço um pouco o que é o Brasil. Eu a admiro tremendamente. Mulher, bailarina e atriz fantástica. Vocês no Brasil têm dança no sangue mais do que qualquer outro povo.”
Apesar de a NDT ser seu grande lar, companhias de todo o mundo já dançaram as obras de Kylián. Ver seus trabalhos em corpos tão diversos o encanta. “É maravilhoso, deixa tudo muito mais rico. Você vê aspectos diferentes na coreografia que normalmente não veria.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.