São Paulo – O cearense Raimundo Fagner sempre meteu bronca “quando a causa é nobre”, segundo ele. Os herdeiros de Cecília Meireles, artistas, jornalistas, quem quer que tenha lhe pisado o calo levou o troco, sem meias-palavras. Desta vez sobrou para a gravadora Sony, que acaba de lançar uma lata com os 12 álbuns que o cantor gravou entre 1974 e 1985, incluindo Ave Noturna (1974), da Continental.
“Meus discos vendiam muito, mas eles nunca acertaram as contas direito comigo. Agora pelo menos estão se explicando para o público, que há anos vem cobrando o relançamento”, diz. Fagner inclui no pacote de reclamações o crédito pelo resultado de seu CD duplo ao vivo, que lançou na volta-relâmpago à Sony há três anos.
Foram 500 mil discos vendidos, puxados pelo sucesso de Canteiros, canção banida de seu primeiro disco, Manera, Frufru, Manera (1973), por conta do famoso imbróglio com os herdeiros da poetisa Cecília Meireles. “São uns urubus. Vão viver a vida inteira de Canteiros. Acho que vou fazer uma horta para eles no Ceará”, ironiza. “Devem ter levado muita grana da Sony para liberar a música para aquele disco, porque sabiam que ia fazer sucesso.”
Há pouco o cantor tentou negociar de novo com a família a inclusão de Canteiros no DVD da turnê com Zeca Baleiro, prestes a ser lançado. “Eu só cito alguns versos do poema, e por isso eles me pedem 100 mil reais”, revela. Vai daí que um dos momentos mais calorosos do show ficou de fora. Assim como foram limadas dos álbuns Eu Canto (1978) e Orós (1977), este com o dedo de Hermeto Pascoal, as faixas Motivo e Epigrama n.º 9, que também têm versos de Cecília. Estes estão entre os melhores títulos da caixa, que custa em média R$ 170, ao lado de Traduzir-se (1981) e Raimundo Fagner (1976). O problema é que eles não serão vendidos separadamente, e a segunda metade dificilmente vai agradar ao público da primeira.
O próprio Fagner reconhece que os momentos de Ave Noturna e do cortante Raimundo Fagner, o primeiro pela CBS (hoje Sony), foram extraordinários. “Havia a força da poesia, do sonho enorme, de muita verdade, muito trabalho e vontade de fazer música sem a preocupação com o lado comercial”, lembra. Em Beleza (1977), contou com os arranjos sutis de João Donato. Traduzir-se (1978), com participação da argentina Mercedes Sosa e dos espanhóis Juan Manuel Serrat e Camarón de la Isla, pontua sua “fantástica aventura” pela latinidade. “Abri essa porta que depois virou comércio”, acentua. Ele voltaria à Espanha em Homenagem a Picasso (1983), menos palatável. Nesse período de voz seca, interpretações ousadas como a de As Rosas não Falam (Cartola) e intensa criação, Fagner tornou-se diretor artístico da gravadora e lançou um trem de nordestinos arretados: Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, entre outros.
Impulsionado pela ambição de ser o “novo Rei da Juventude”, em provocação a Roberto Carlos, o cantor veio explorar seu outro lado a partir do superproduzido Fagner, de 1982. Foi o primeiro de uma seqüência de êxitos melosos – enguiço agravado pelos arranjos cheios de teclados kitsch, hoje inaudíveis de tão datados -, que o manteriam por muito tempo no topo da popularidade e no ralo da crítica. “Cresci ouvindo Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Roberto Carlos, tinha sempre latente a vontade de fazer música popular. Isso é uma parte de mim. Não me arrependo de nada”, arremata.