Som mestiço de Plant foi destaque musical do Lollapalooza no sábado

A famosa linha de violão acústico de Baby, I’m Gonna Leave You, com seus quase 50 anos de existência, quando soou no vale do Autódromo de Interlagos, mudou a tarde de sábado, 28, e deu um sentido místico à maratona. Às 18h24, apesar do som baixo (muitas vezes encoberto por Marcelo D2, lá do outro lado), Robert Plant, mítico vocalista do Led Zeppelin, antigo Deus do Sexo (hoje mais para Inri Cristo), estava ali em carne e osso e cachos molhados, como uma testemunha da capacidade de permanência do rock, de seu potencial de assimilação e enriquecimento.

No lugar da animalidade histórica, ele pôs em cena um apuro técnico que é realçado por uma digna banda de carreira, The Sensational Space Shifters, testada no batizado da estrada. Rainbow e Turn it Up foram as primeiras “ousadias”, as canções de sua carreira solo amaldiçoada pelos puristas – mas mesmo estas não enfrentaram rejeição imediata.

A “traição” de Plant se revela em uns condimentos de world music, de certo tempero mestiço, o toque afroprogressivo (por conta do músico Juldeh Camara) – mas o que foi o Led Zeppelin senão uma das viagens mais mestiças da História do rock? Com Black dog, Whole lotta love e Rock and Roll no bolso do colete, ele dominava o vale dos selfies implacáveis. A voz firme (sem o vigor do passado) o sorriso de eterna ironia, o rosto vincado pelo tempo.

O show de Plant começou após os alto falantes tocarem uma introdução de Rumble, música de 1958 do Link Wray que é citada por Jimmy Page no documentário It Might Get Loud (2008), que reuniu o guitarrista do Zeppelin e mais Jack White e The Edge. Foi a única canção instrumental a sofrer censura da história.

Plant “herdou” o público da banda inglesa Kasabian, grupo de segunda linha do britpop que fez show ultradançável no palco Onix – com extremada animação do guitarrista, Sergio Pizzorno. No mesmo palco, o grupo que antecedeu Plant, o Alt-J, mostra boa interação em cena, mas também ilustra o esgotamento de certa fórmula popularizada por grupos como Hot Chip – não há um ponto de evolução. A “deserção” da cantora galesa Marina and the Diamonds frustrou boa parte da plateia de 66 mil pessoas.

Menos inchado que a edição de 2014, esse Lolla teve poucos percalços de organização – um deles foi a falta de sinal para as máquinas de débito automático, todo mundo tinha de pagar em dinheiro.

Marcelo D2

A pressão de Marcelo D2 em seu show foi tanta que o som de seu palco vazou no de Robert Plant. Sua mistura de hip hop e samba foi vista por um público jovem que queria dançar. A apresentação foi aberta com Está Chegando a Hora, com sample de Abre Alas (Ivan Lins/ Vítor Martins). Pedindo para que o público fizesse barulho a toda hora, D2 dedicou a música 1967 a Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr. Ele ainda relembrou a última vez que viu o amigo. “Nos encontramos em BH e ele veio ao meu quarto fumar ‘unzinho’ “. Dizendo que representa os “maconheiros mais famosos do Brasil, o Planet Hemp”, D2 também cantou o sucesso Qual É.

Destaque para as participações de Bernardinho Beat Box e do guitarrista Maurício Negão.

Escalado para substituir a banda Kodaline, que teve problemas com a documentação (e que entraria no lugar do projeto SBTRKT), D2 fez um show no qual utilizou os hits certos para levantar o público. Foi um show longe de ser burocrático, porém nada surpreendente.

Kongos

O Lollapalooza 2015 “adotou” sua banda nova adorável dessa edição: o grupo sul-africano Kongos. Escalados para suprir a ausência de Marina and the Diamonds (cujo show foi cancelado porque a cantora teve problemas com voo), eles conquistaram instantaneamente o público. “Vocês nos deram um bom motivo para aprender português”, disse o baterista.

A história deles é daquelas coisas maravilhosas que parecem inventadas: ídolo pop britânico dos anos 1960 vai morar na África, tem quatro filhos em escadinha, se aposenta e, um dia, os filhos formam um grupo juntos.

Tocaram ate uma inédita, I don’t mind. Autores do virótico hit Come With Me Now (canção de 2012 projetada na trilha do cult movie Holy Motors, de Leos Carax), eles fizeram sua estreia com estilo. Eles são muito influenciados pelo pai, John Kongos, mas mostram outras referências. Por exemplo: It’s a good Life tem eflúvios de John Lennon.

“Gostamos de diferentes tipos de som: mais pesados, mais suaves, com alguma eletrônica. Não seguimos regras ou parâmetros. Se a canção é boa, não importa. Basta que encaixe no disco. A única coisa é que temos grande respeito pela música africana, gostamos de fazer o público dançar”, disse à reportagem o baixista e vocalista Dylan Kongos (os outros irmãos são Daniel, vocais e guitarra; Jesse, bateria e vocais; Johnny, acordeão e teclados). São bons instrumentistas, têm admirável harmonia vocal, bons de palco. Certamente vão voltar.

Bastille

Quem esperava por um palco Axe vazio para assistir ao show da banda britânica Bastille, última apresentação da primeira noite do Lollapalooza, se enganou. A missão, entretanto, era difícil. Os ingleses tiveram de medir força com nada mais nada menos do que Jack White, principal atração do festival.

Com um público mais jovem, os ingleses não só roubaram os holofotes, como fizeram uma performance dançante. O grupo formado por Dan Smith, Chris Wood, William Farquarson e Kyle Simmons subiu ao palco pontualmente às 21h45. A banda abriu a apresentação com Bad Blood, do disco homônimo de 2013. O show do Bastille é recheado de efeitos visuais e luzes multicoloridas.

Falando em espanhol, o vocalista Dan Smith mostrou simpatia e logo deu boa noite para o público presente. O som do Bastille transita o tempo todo entre o eletrônico e o rock de maneira lúcida. Algo, aliás, característico desta edição do Lollapalooza. Um formato batido, é verdade, mas que funciona bem dentro da proposta do evento.

Weight of Living, segunda música do show, tratou de deixar isso ainda mais claro. Duas coisas chamam a atenção no vocalista Dan Smith: sua simpatia e o enorme topete. Carismático, tentava o tempo todo se comunicar com o público. Cravava o quanto estava feliz de estar no Brasil. O dono do topete mais legal da nova geração britânica do rock logo se assustou com energia dos fãs.

Realidade no Reino Unido, mas ainda lutando por um espaço nos Estados Unidos, o Bastille chegou às paradas de sucesso com a música Pompeii, maior hit da banda. E foi com ela que os ingleses encerraram a apresentação deste sábado no Lollapalooza. Cantada em coro por uma multidão, o Bastille mostrou que está pronto para conquistar o público norte-americano e também brasileiro.

Jack White

Um show ultra-pesado do néo-topetudo Jack White, que está parecendo uma versão anabolizada de Johnny Cash, fechou a noite deste sábado, 28, no palco principal do Lollapalooza, em São Paulo. Com covers de Elvis, Gene Vincent e uma reverência ao bluegrass, ele fez pontes entre gêneros fundadores e mostrou por que é um dos grandes artistas de sua geração.

White tocou canções de sua carreira solo, como Blunderbuss, outras do duo White Stripes (que formou com Meg White), como Dead Leaves and the Dirty Ground e o hit Seven Nation Army, além de outras da banda Raconteurs. Todas suas facetas estavam presentes, mas o show talvez tenha sido sisudo demais, com muito pouco espaço para o lirismo. Jack impôs um cenário e iluminação espartanos (a luz azulada e o fog o escondiam como a um clandestino em seu próprio show) e maltratou os ouvidos da banda e do público, esfolando a guitarra com dureza.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo