Tive oportunidade de ler, há pouco tempo, no Le monde parisiense, um artigo interessante, de autoria de um tal Charles Maupassant, provavelmente filólogo. E eu me perguntei, inclusive, se ele porventura não seria descendente do grande Guy de Maupassant, que ao lado de Anton Tchecov integra a dupla maior do conto universal. Sobre o que escrevia o Maupassant contemporâneo?
Seu tema, aparentemente inócuo, acabou por tornar-se saboroso, à medida que fui penetrando na sua epiderme textual. “Monsieur” Charles procurava demonstrar a nítida superioridade dos sobrenomes franceses, em relação ao sobrenome ingleses, alemães, italianos e espanhóis. Focalizando apenas, a título de exemplo, os sobrenomes começados pela letra “A”. Nem por isso as nominatas deixaram de ser quase quilométricas, a ponto do artigo, com tipos minúsculos, ocupar quase três quartos da página.
Confesso que, até aí, em relação à matéria, eu me considero jujuno, para não dizer analfabeto. Mas o articulista gaulês houve por bem deter-se ainda, “à vol d’oiseau”, nos sobrenomes holandeses, suecos e, fato até certo ponto curioso, portugueses.
Neste último caso, Maupassante afirmava que a quantidade de sobrenomes portugueses (que acabariam por tornar-se também brasileiros, com a vinda de milhões de lusitanos para o Brasil, desde 1500) é relativamente exígua. E ele procurava demonstrar essa exigüidade com a citação dos seguintes: Abreu, Albuquerque, Almeida, Alves, Amaral, Andrade, Araújo, Azevedo “e poucos mais”, com acentuava “monsieur” Charles.
Aí, confesso sem falsa modéstia que não me considero jejuno. E entendo que os “poucos mais” não são tão poucos assim. Para demonstrá-lo, valho-me do excelente dicionário de nomes e sobrenomes, do saudoso professor Mansur Guérios, um dos mais importantes filólogos da nossa língua, de quem tive a honra e o privilégio de ser amigo. Na superior lição de Mestre Mansur Guérios, a nominata do francês com relação aos nomes portugueses estava muito longe de estar completa. De acordo com o nosso eminente dicionarista, seria possível complementar a nominata com muitos outros sobrenomes, sempre limitando-os aos começados pela letra “A”.
Aí vão eles: Abade, Aboim, Abrantes, Abranches, Arantes, Afonso, Afonseca, Águas, Agudo, Aguiar, Aires, Ablergaria, Aleixo, Alpoim, Alvarenga, Alvares, Alvim, Amado, Amarante, Amora, Amorim, Antunes, Aragão, Aranha, Arrais, Arruda, Ascenção, Assunção, Avelar, Azambuja, Azenha, Azeredo. E diga-se, de passagem, que essa nominata não tem a pretensão estulta de estar completa.
Seja como for, com base no magistral dicionário de Mansur Guérios, a quantidade dos nossos sobrenomes é respeitável, se bem que inferior (compreensivelmente inferior) aos franceses, ingleses e outros. De qualquer modo, sejam eles poucos ou muitos, são mais do que suficientes. Dão para o gasto, data vênia a “monsieur” Charles Maupassant…
João Manuel Simões é escritor, membro da Academia Paranaense de Letras.