Elton John parecia comovido por trás de seus óculos escuros azulados quando viu a plateia da área vip à sua frente, fisicamente combalida depois de 1h20 sob a tempestade que lavou o Allianz Parque na noite traiçoeira de quinta-feira, 6. “Obrigado por terem ficado aqui debaixo de chuva”, ele disse, antes de voltar ao piano e seguir para o final de seu concerto pop. A lua, cônjuge de James Taylor em seus shows pelo Brasil – quem o viu no Rock in Rio de 2001 pode se lembrar de seu exibicionismo enquanto ele cantava You’ve Got a Friend -, dividia o céu com poucas nuvens no início da noite. A chuva parecia ser apenas uma ameaça.
Taylor passou por ali com os gestos envelhecidos e a alma de uma criança. Estava feliz, ainda que de dedo quebrado. Falou português lendo mensagens curtas e quase não mencionou algo que, de fato, deveria vender com orgulho. O disco que lançou em 2015, Before This World, o colocou no topo da parada da Revista Billboard pela primeira vez em 50 anos de carreira. Um discaço, leve e folk, simples e de verdade, representado no show apenas pela canção Today, Today, Today, logo dilacerada da memória pela força de tudo o que o próprio Taylor cantaria. Fire and Rain, Mexico, Carolina In My Mind, Only a Dream in Rio.
Sua banda era um dream team, com o percussionista cubano Luis Conte, o baixista Jimmy Johnson, o guitarrista Michael Landau e o baterista Steve Gadd, chamado pelo cantor de “a lenda”, com serviços prestados a Simon & Garfunkel, Eric Clapton, Joe Cocker e Chick Corea. De mão pesada e pensamento rítmico acidentado, Gadd fica ainda maior mostrando que sabe servir a canção de Taylor ajeitando-a carinhosamente a dois palmos acima do chão.
James Taylor e Elton John são faces de uma mesma moeda. Seus organismos vêm com anticorpos desenvolvidos para combater o virtuosismo que parecia querer varrer do mundo qualquer intruso que não ganhasse plateias nos agudos de um Robert Plant ou nos solos de um Jimi Hendrix. Ambos sentaram-se em um banquinho, um de violão no colo e o outro de piano à frente, e se especializaram em fazer canções de amor e de amigo, sem solos.
Seduzido pelas latinidades, Taylor coloca uma bandeira do México em seu telão. Elton, grato pelo abraço que a América lhe deu a partir de 1970, com Your Song, mostra a dos Estados Unidos. Taylor fala da amiga Carole King antes de cantar Youve Got a Friend; Elton dedica Dont Let the Sun Go Down on Me a George Michael. Taylor é fofo, Elton é profissional. Os dois jamais se encontram em uma mesma canção porque, talvez, nas extremidades de um mesmo universo, não tenham nada a dizer um ao outro.
A chuva chegou com Philadelphia Freedom, depois de 20 minutos de noite agradável desde a entrada de Elton John. Ela veio em pingos grandes e espaçados, que logo se multiplicaram com peso e inclemência, afogando em poças os egos da pista vip e tornando mais poderosos os fãs das distantes arquibancadas cobertas, de preço quatro vezes menor. Quando Elton percebe a chuva, parece querer compensar na mão, aliviando o peso das roupas. Levon ganha um solo de piano transcendental e Sad Songs, uma temperatura mais envolvente do que em seus outros shows no Brasil. Agora, é preciso tomar uma decisão.
A chuva cai em Rocket Man como a metáfora da própria existência. Muitos correm para a área coberta, de onde mal se vê Elton, enquanto outros permanecem à sua frente, com mais campo de visão. Alguns vestem-se em plásticos finos, temendo por suas carteiras, enquanto outros apenas retiram o cabelo molhado dos olhos. Alguns praguejam contra os céus pela noite perdida, outros agradecem de braços erguidos pela graça alcançada. A chuva mostra-se a única força capaz de sumir com os celulares erguidos e separar os sentimentos de butique das grandes emoções. Ao aceitá-la diante de Elton John, ela se torna uma experiência libertadora e inesquecível.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.