A pele alva e os traços suaves, clássicos, tornam Simone Spoladore a candidata ideal para heroínas à moda antiga. No cinema, a atriz cumpriu sua sina em filmes como Lavoura Arcaica e Desmundo. Na tevê, viveu tipos de época em Os Maias, como a cortesã portuguesa Maria Monforte, e Esperança, como a camponesa italiana Caterina. Em América, ela tem a chance de interpretar, pela primeira vez na tevê, uma personagem moderna e contemporânea: a advogada Heloísa. No início, tinha a sensação de que toda palavra que dizia soava falsa. ?Era como se estivesse interpretando mais do que deveria. Para mim, um tipo atual é tão difícil quanto um de época. Talvez até mais…?, tenta explicar.
Na trama de Glória Perez, Simone dá vida à advogada que abandona a carreira no Brasil para acompanhar o marido Neto, interpretado por Rodrigo Faro, aos Estados Unidos. A adaptação, porém, não é das mais fáceis. ?O sonho da Heloísa é conciliar a vida amorosa, profissional e familiar. Infelizmente, ela não consegue e isso resulta numa crise conjugal?, lamenta. Aos 26 anos, Simone viveu situação parecida aos 18, quando deixou a casa dos pais em Curitiba e passou a morar em São Paulo e, posteriormente, no Rio. ?As pessoas na minha terra são mais reservadas. No Rio, são todos falantes e expansivos. Isso mostra o quanto somos diferentes, apesar de vivermos no mesmo País?, arrisca.
Modernidade em América, com Rodrigo Faro e Matheus Costa. |
A tímida Simone demorou a se enturmar. ?Sou capaz de entrar muda e sair calada de um jantar. Em festas, então, é um terror?, jura. O acanhamento porém, não atrapalhou a carreira. Ela já ganhou o Prêmio BR de Cinema Brasileiro de 2002 por Lavoura Arcaica e foi eleita melhor atriz pela Associação Paulista de Críticos de Arte em 2004 por Desmundo. Mesmo assim, admite, está mais solta. Tanto que, outro dia, não se acanhou quando um rapaz brincou com ela em plena Cinelândia, no Centro do Rio: ?Ué, Heloísa, você não devia estar em Miami? O que está fazendo aqui??. ?Nunca fiz um trabalho tão popular quanto América. Vou ter de me acostumar a esse tipo de abordagem?, acredita, sorridente.
P – Quando você se mudou para São Paulo e, mais tarde, para o Rio, também sentiu um forte choque sociocultural. De que maneira essa experiência ajudou na composição da Heloísa?
R – Não sei se a minha experiência foi tão traumática quanto a da Heloísa. Afinal, eu estava realizando um sonho, que era o de vir para o Rio. Ser atriz no Brasil e, principalmente, sobreviver dessa profissão é muito difícil. Já a Heloísa, não. Ela apenas abriu mão do próprio sonho para acompanhar o marido. Mesmo assim, ajudou muito. Sempre ajuda. Na época, foi difícil pra caramba. Eu me sentia muito sozinha, sem amigos, nem perspectivas. E, além disso, era muito menina. Só tinha 18 anos… Eu me sentia insegura, tímida, retraída… Mas feliz também. Caso contrário, fica parecendo que era um sofrimento só, não é? (risos).
P – A Heloísa é o seu primeiro trabalho contemporâneo na tevê. Que cuidados ela exigiu de você?
R – Olha, a primeira coisa que eu fiz foi dar um pulinho no Fórum com uma amiga minha, que é advogada, para observar o trabalho dela. E foi uma experiência muito bacana. Porque, às vezes, a gente tem uma visão meio estereotipada de certas profissões. Quando pensava em advogada, logo me vinha à cabeça a imagem de uma profissional séria, compenetrada… E a Heloísa é realmente uma pessoa assim. Já a minha amiga, não. Ela é muito na dela, tranqüilona… Foi bom para desmitificar a imagem que eu fazia dos advogados. Fora isso, logo no começo, tive a impressão de que tudo que eu falava soava falso. Depois, eu ia conferir minha atuação no vídeo e via que não era nada disso. Essa aparente naturalidade dos personagens contemporâneos não é fácil de ser obtida. Para mim, pelo menos. Fazer um personagem atual é tão difícil quanto um de época. Talvez até mais…
Simone Spoladore, a hora e a vez da estrela
Em Desmundo, onde contracenou com Caco Ciocler. |
Simone Spoladore tinha 18 anos quando resolveu trocar a pacata Curitiba pela agitada São Paulo. No começo, desejava apenas encontrar um grupo teatral com o qual pudesse trocar experiências e, principalmente, ganhar algum dinheiro para se manter na cidade. O que ela não imaginava é que, um dia, seria escolhida entre 700 candidatas, para interpretar Ana, a filha de imigrantes libaneses que vive uma relação incestuosa com o irmão em Lavoura Arcaica. Para o filme, passou dois meses numa fazenda em São José das Três Ilhas, Minas Gerais, onde aprendeu a trabalhar na lavoura e a ordenhar vacas. ?Fiz um mergulho radical na vida rural dos personagens?, recorda.
O segundo personagem de Simone Spoladore no cinema foi tão sofrido e melancólico quanto o primeiro. Em Desmundo, de Alain Fresnot, ela vive Oribela, uma órfã portuguesa que é trazida para o Brasil em 1550 e obrigada a casar-se com o colono Francisco de Albuquerque, interpretado por Osmar Prado. Em terras brasileiras, ela inicia um amor proibido com Ximeno, um comerciante de escravos vivido por Caco Ciocler. ?Boa parte das cenas de Desmundo foram rodadas em Paraty e Ubatuba, nos litorais do Rio e de São Paulo. Era uma bênção acordar de manhã e olhar para aquele mar clarinho. Infelizmente, só tinha um dia de folga por semana para aproveitar?, brinca.
Ainda este ano, Simone volta às telas com Vestido de Noiva. O filme foi dirigido pelo primogênito do dramaturgo, Joffre Rodrigues, a quem Nelson confiara, décadas atrás, a responsabilidade de dirigir uma versão cinematográfica da peça que revolucionou o moderno teatro brasileiro. No clássico de Nelson Rodrigues, Simone interpreta a protagonista Alaíde, moça recém-casada que é atropelada e submetida a uma operação de emergência. A ação se passa, simultaneamente, em três planos de consciência: realidade, memória e alucinação. ?Fazer uma personagem do Nelson era um sonho antigo. Quando me chamaram, nem acreditei. Foi um presentão!?, derrama-se.
Bailarina e atriz, entre dois amores
Filha de bancários, Simone Spoladore nunca pensou em seguir a profissão da família. Desde criança, mostrou inclinação para a dança. Não por acaso, fez balé dos seis aos 14 anos. Só parou quando resolveu enveredar pelo teatro. A estréia nos palcos aconteceu aos 16 anos, quando atuou no espetáculo Meno Male, de Juca de Oliveira. ?Decidi aprender a interpretar para ajudar minha expressão como bailarina. Mas acabou acontecendo o contrário: a dança me ajudou a interpretar?, analisa. De fato, a atriz teve, anos depois, a oportunidade de arriscar alguns passos de dança do ventre em Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, e de dança sarda em Esperança, de Benedito Ruy Barbosa.
Muito antes de despontar em Esperança, Simone já tinha sido sondada para outras novelas da Globo, como Terra Nostra, do próprio Benedito, e Andando nas Nuvens, de Euclydes Marinho. Mas nenhuma delas entusiasmou a atriz. ?O bom ator está nas escolhas que faz?, desconversa. Convite mesmo ela só recebeu para Coração de Estudante, de Emanuel Jacobina, mas também refutou, alegando falta de tempo. Na época, estava às voltas com o lançamento do filme Lavoura Arcaica, dirigido por Luiz Fernando a partir do livro de Raduan Nassar. ?Se eu fosse um rosto conhecido do público, a personagem em Lavoura poderia perder o impacto. Por isso, preferi deixar a tevê para depois?, justifica.
Por trás do criterioso processo de seleção de Simone estava o diretor e ex-namorado Luiz Fernando Carvalho. Foi ele que a levou para a tevê depois de conferir sua performance em Lavoura Arcaica. A estréia aconteceu em Os Maias, de Maria Adelaide Amaral. ?Estreei na tevê como protagonista, fiz uma personagem do Eça e fui substituída pela Marília Pêra. O que mais poderia querer??, brinca a atriz.