O tempo ideal eram 17 segundos. Assim que o chef colocasse o último detalhe da decoração no prato, o garçom devia sair às pressas pelos corredores do Seminário Bom Jesus, passar pelo guarda suíço da entrada, abrir a porta e servir com deferência o hóspede Joseph Ratzinger, bem mais conhecido hoje como papa Bento XVI.
Um erro de cálculo e a temperatura de sua picanha de búfalo, de seu salmão ou de sua codorna com creme não chegaria na medida certa. Ainda que soubessem que Bento XVI não tinha o perfil de quem reclamaria dos serviços da cozinha, os empregados queriam dar ao papa o melhor que se podia oferecer naqueles dias de Brasil.
Silvia Aquino é a mulher que esteve por trás de tudo o que rondou a maior autoridade da Igreja Católica em sua estada na cidade de Aparecida, a 167 quilômetros da capital paulista, entre os dias 11 e 13 de maio de 2007. À frente de 180 funcionários, cuidou da decoração, do cardápio, da música, de parte da segurança, da imprensa, dos bombons colocados no quarto, dos tapetes no hall de entrada e do cronômetro para garantir que a comida de Bento XVI não esfriasse antes de chegar ao seu quarto.
Seis meses depois do furacão, a mulher que recebeu Bento XVI ?com o coração nas mãos? se sente à vontade para colocar tudo o que testemunhou em uma publicação que deverá ser lançada antes do Natal. De nome ainda indefinido, a obra trará fotos de arquivo pessoal tiradas por Silvia e histórias de um bastidor que muitos fiéis e jornalistas pagariam para conhecer. Enquanto decide os detalhes de lançamento, anuncia ainda que a data será marcada com um recital de piano realizado por Álvaro Siviero, o mesmo pianista que, convidado por ela, deslumbrou Bento XVI em curiosos momentos de privacidade.
Católica de uma família de Lorena, interior de São Paulo, ex-estudante de colégio de freiras, Silvia Aquino se apegou a suas crenças para não tropeçar no desespero. Nada poderia falhar.
O contato físico com o papa, mesmo para alguém que organizou tudo, não foi além de gestos. O suficiente para ainda emocioná-la. ?Eu participei da missa pessoal de Bento XVI, feita para umas dez pessoas. Foi algo muito especial.?
Álvaro Siviero, o pianista do papa, conseguiu ir além. Era ele quem tocava, não por acaso, em um legítimo piano alemão Steinweg enquanto Bento XVI almoçava nas dependências do seminário. Siviero pegou o papa pelo coração, que não resistiu ao repertório de Beethoven, Schubert, Mozart e Bach preparado pelo brasileiro. Bento XVI também é pianista e um apreciador de obras eruditas. ?Eu contei. Enquanto eu tocava, cruzamos os olhares por 15 vezes.? Ao final da Sonata de Beethoven, o próprio papa puxou os aplausos e disse ?sou muito agradecido ao pianista, que se apresentou maravilhosamente bem?. Siviero, sem jeito, se levantou e sentiu uma mão o empurrando. ?Era a mão de um guarda suíço. Entendi que era para eu ir em direção ao papa. Comecei a chorar, não consigo me lembrar do que falei para ele até hoje. Ele apertou minha mão e me deu um abraço.?
