Sexo, Glamour e Balas

São Paulo

– Quase à maneira de um fanzine, com fotos de copyright duvidoso e organização repleta de dados pouco comprováveis, da alçada de fãs, está sendo lançado o livro Sexo, Glamour e Balas, de Eduardo Torelli (Opera Graphica Editora, 240 páginas, R$ 49), uma enciclopédia ligeira sobre o mais famoso de todos os agentes imperialistas – como ele mesmo se autodefiniu -, o britânico James Bond.

Torelli também autor de Quando os Macacos Dominavam a Terra, organizou o livro como um compêndio sobre 007, mas, driblando a armadilha dos verbetes, tentou produzir texto que se sustentasse como referência e como literatura prazerosa. Dos livros e da biografia do autor de 007, Ian Fleming, às idiossincrasias de cada um dos atores que encarnaram o personagem no cinema, a enciclopédia bondiana de Torelli analisa até os subprodutos do herói.

Quem assiste aos 20 filmes da série cinematográfica pensa que a imaginação de um só autor não poderia tê-los gestado todos. Mas é falsa a impressão: Ian Fleming foi o responsável por todos os arquétipos produzidos pelos diferentes James Bond que conhecemos e todo o resto é adaptação à mudança de costumes. Qual é o charme desse herói com “licença para matar”, que nasceu quase como arma de propaganda no meio da guerra fria e que se adaptou mal e porcamente às novas circunstâncias geopolíticas do mundo contemporâneo?

Torelli escreve que Bond surgiu “casualmente” em 1953, como protagonista de um livro barato de espionagem. E nos ensina que sua reputação só saltou da esfera do pulp para a de cult com a admiração expressa de personalidades, como John Kennedy.

Conservador

Isso dá uma dica de que, mesmo que Bond tenha surgido “casualmente”, sua habilidade como expressão propagandística de um credo conservador e armamentista foi sendo apropriada – assim como o Super-Homem, o Capitão América (estrela nos acontecimentos do pós-11 de setembro) e outros serviram a uma idéia.

Fleming era filho de um herói de guerra e cursou uma escola militar na Inglaterra. Depois, enfastiou-se e virou jornalista. No início dos anos 30, chefiava a redação da Reuters em Moscou, o que explica boa parte de sua intimidade com a geopolítica daquele País.

Seu folhetim tinha endereço certo. Com James Bond, a Inglaterra se sentiu vingada. Tinha um grande herói pairando acima do bem e do mal, irresistível e cheio daquela fleuma britânica, o ar “superior”, revigorando a habilidade e a capacidade dedutiva de seu velho Sherlock Holmes.

Machista e sexista, irritou os movimentos feministas. Irritou os inimigos do mundo capitalista. Quando morreu seu autor, o Pravda, jornal oficial do Partido Comunista soviético, escreveu, em 1965: “Ian Fleming está morto, mas Bond não pode morrer. Afinal, é o modelo ideal para os assassinos enviados ao Vietnã, ao Congo, à República Dominicana e a outros pontos do globo.”

Embora a edição careça de sofisticação gráfica, Torelli fez uma pesquisa interessante. Foi aos arquivos e mergulhou em gavetas cheias de pó, mas também se preocupou em buscar referências mais intelectualizadas, por assim dizer. Há observações de Umberto Eco sobre uma cena de O Homem com a Pistola de Ouro, por exemplo.

Todos os James Bonds

Roger Moore descobriu que, sem humor e sem autocrítica, Bond não sobrevive muito tempo. Sean Connery deu-lhe o arcabouço masculino definitivo, o homem que amadurece sem perder o mistério que encanta o público feminino. Timothy Dalton quase o matou, encarnando um Rambo sem sofisticação e rancoroso em Licença para Matar. O australiano George Lazenby foi sepultado com sua tragédia – a de ter encarnado no cinema o único 007 que ousou escolher uma única mulher, e de ter-se casado com ela.

Moore, que não conseguia correr mais rápido do que um esquilo manco, escandalosamente fora de forma nos derradeiros filmes da série, era um pândego. Dos sete filmes que fez, poucos foram aqueles nos quais ele esqueceu o senso de humor. Ele fez o melhor de todos os Bond, Viva e Deixe Morrer, com a música de Paul McCartney e Wings e um magnífico vilão-drag, o Barão Samedi (Geoffrey Holder), sósia do nosso saudoso Vera Verão.

Chegamos ao novo século com Pierce Brosnan na pele do herói, fazendo um Bond pós-moderno em Um Novo Dia para Morrer (Die Another Day) – um filme todo construído com citações das histórias pregressas, homenagem a si mesmo. Brosnan começou mal. Em O Mundo não É o Bastante (The World Is not Enough), de 1999, ele executa à queima-roupa uma vilã, desarmada. Mas na nova aventura, quase se despedindo do personagem, ele se mostra mais solto, à vontade, sem a pressão de sempre.

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