Perto do final da ditadura civil-militar (1964-1985), o diretor Nelson Pereira dos Santos lança Memórias do Cárcere (1983), versão cinematográfica do livro homônimo, no qual Graciliano Ramos descreve sua prisão durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Nelson Pereira evoca uma ditadura para falar de outra. E saúda a luta contra a opressão em qualquer tempo e lugar. O filme – um clássico do cinema brasileiro – abre amanhã a Mostra Cinema e Liberdade, às 22h no Cinearte Petrobrás, no Conjunto Nacional.

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Será o primeiro de sete títulos abrigados sob essa temática comum, o da luta de indivíduos e grupos contra estados de opressão. Há algumas obras-primas entre eles: O Ovo da Serpente (1977), de Ingmar Bergman, Roma Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini, Afterimage (2016), de Andrzej Wajda, Fahrenheit 451 (1966), de François Truffaut, Alphaville (1965), de Jean-Luc Godard, e A Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick. A curadoria é do blog Estado da Arte, do jornal O Estado de S. Paulo.

Três deles são distopias futuristas, pressentimento dos artistas de que os anos por vir podem não ser promissores para a espécie humana em sua versão civilizada. Em Fahrenheit 451, Truffaut evoca uma época em que livros, como fontes de conhecimento e percepção crítica, serão banidos e queimados em autos de fé, como fizeram os nazistas em seu tempo e desejam fazer hoje outras seitas similares. Despojados do seu suporte físico, os livros moram na memória dos leitores.

Muito antes da paranoia com a inteligência artificial, algoritmos e fake news, Godard, parceiro de Truffaut durante a nouvelle vague francesa, imagina, em Alphaville, uma sociedade futura em que as pessoas são controladas por um computador super poderoso. Como a imaginação era fértil e a grana pouca, Godard representa essa máquina terrível, a Alpha 60, por meio de um prosaico ventilador.

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Já em A Laranja Mecânica, Kubrick cria um futuro dominado por gangues sádicas que praticam violência contra a população indefesa. Acrescenta um dado: tão ou mais truculenta que o crime juvenil é a “terapia” do Estado para curar os agressores. Baseado em técnicas de psicologia behaviorista, o tratamento visa criar aversão à violência em seus praticantes. Há cenas emblemáticas, em que o delinquente Alex (Malcolm McDowell) sofre tortura enquanto é obrigado a ver cenas de violência em vídeo e escutar sua peça sinfônica preferida, a Ode à Alegria da 9ª Sinfonia de Beethoven.

Outros três filmes – a serem juntados a Memória do Cárcere – põem em cena situações e personagens reais, ou tratam como ficção fatos históricos bem concretos. Em Roma Cidade Aberta, obra inaugural do neorrealismo italiano, Rossellini aborda a luta dos partiggiani contra os ocupantes nazistas. O Ovo da Serpente, Bergman, em seu período alemão, fala da ascensão do nazismo na Berlim dos anos 1920, quando incubava a maior tragédia da História contemporânea. Em seu filme de despedida, Wajda evoca um personagem real, o pintor polonês Wladyslaw Strzeminski (Boguslaw Linda), que se sacrificou para defender seus ideais estéticos da camisa de força do realismo socialista, imposto pela política cultural stalinista.

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São filmes selecionados não apenas pela qualidade intrínseca, mas porque, neste tempo de angústia, tratam da opressão e seu contrário. Falam da liberdade por sua ausência. Porque a liberdade, como escreveu Cecília Meireles, “É essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.