Sete e meia da noite, a atriz Taís Araújo está aflita no celular. Ela já está no teatro e dentro de uma hora e meia eleva-se a cortina para que Lázaro Ramos e ela apresentem a peça O Topo da Montanha, sobre o último dia do ativista Martin Luther King. Mas o marido ainda está em Heliópolis, apresentando a sessão de Tudo Que Aprendemos Juntos. O longa de Sérgio Machado, vencedor do prêmio do público como melhor filme brasileiro da 39ª Mostra, foi feito quase todo em Heliópolis, contando a história de garotos que integram a orquestra sinfônica de lá. Lázaro estava apressado, mas também emocionado. “Viemos devolver o filme a vocês, como agradecimento pelo carinho com que nos receberam.”

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A sessão foi ao ar livre e, antes, numa sala do CEU Arlete Persoti, Lázaro ‘regeu’ a orquestra, na execução da abertura da ópera Russlan e Ludmilla, de Glinka. Na saída, correndo para a projeção, comentou com o repórter – “Regi na cara de pau, mas, cara, tudo isso aqui é muito forte. No primeiro dia em que vim, o (maestro Isaac) Karabtchevsky estava regendo. Parecia um leão, e a garotada toda eletrizada. Ver esse pessoal realizar seu sonho mexe comigo. Tem a ver com cidadania, com o País que queremos e temos que ter energia para tentar construir.” Ele aponta para a rua que percorre com o repórter – “Isso aqui é o coração do filme. Você está dentro do Tudo Que Aprendemos.”

Renata de Almeida faz a apresentação, porque a sessão de sábado, em Heliópolis, foi da Mostra. “Já tínhamos feito a sessão do dia 3 na Sala São Paulo. São as duas pontas do filme. A comunidade e a sala considerada uma das maiores do mundo. Tínhamos de unir as duas, não privilegiando só uma.”

“Essa mulher é fogo, levantou essa sessão com sua energia”, diz o produtor Fabiano Gullane. Havia autoridades presentes. O diretor-presidente da Spcine, Afredo Manevi, reafirmou seu compromisso com o desenvolvimento do cinema paulista. O secretário Municipal de Cultura, Nabil Bonducki, reafirmou o desejo de abrir salas para que mais sessões como aquela fossem realizadas.

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“Já temos um cinema no CEU Caminho do Mar, que fica perto daqui, mas dentro de um ano, no máximo, vamos ter aqui também. O cinema brasileiro precisa de telas em São Paulo e as comunidades precisam de acesso à cultura.” Havia uma garoa que foi virando chuva, mas o público não arredou pé. A chuva parou. No final, houve uma explosão de aplausos e vivas. Estavam o diretor, os produtores e o elenco local. Os principais, Kaíque de Jesus e Élzio Viera, são de outra comunidade. Lucas e Atílio são de Helíopolis. Houve festa na casa deles, para que todo mundo confraternizasse. A orquestra é sinfônica. A comemoração foi com rap.

Tudo Que Aprendemos Juntos inspira-se na peça Acorda, Brasil, escrita por Antonio Ermírio de Moraes a partir da experiência do Instituto Baccarelli, projeto que oferece formação musical e artística para jovens da comunidade de Heliópolis. O filme nasceu como um projeto da Gullane Filmes, dos irmãos Fabiano e Caio Gullane, que chamaram Sérgio Machado para fazer a adaptação e dirigir.

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Machado dirigiu filmes como o documentário Onde a Terra Acaba, sobre o mítico Mario Peixoto, autor do cultuado Limite, e Cidade Baixa, erotizado triângulo amoroso que se passa em Salvador e já é estrelado por Lázaro Ramos, mais Wagner Moura e Alice Braga.

Sentado ao lado do repórter, enquanto esperam a sessão começar, Machado conta: “Tudo o que fiz nasceu como projeto meu. Nunca tinha feito nada de encomenda. No começo foi difícil. Teve uma hora em que eu pensei em largar tudo, e simplesmente ir embora. ‘O que estou fazendo aqui’, me perguntava. Esta história não é minha”, disse.

“E aí me dei conta que a história, sim, podia ser minha. O filme sobre a orquestra virou um pano de fundo. Me concentrei no personagem do Lázaro, que sonha ser violinista da Osesp e vai parar à frente desse bando de jovens de comunidade. Não era o que ele queria, mas é o que tem. E, aos poucos, ele vai se comprometendo. Foi assim comigo. Hoje, até o meu filho de 6 anos, que toca violino, quer entrar na orquestra.”

O fim de semana foi glorioso para os vencedores brasileiros do Festival do Rio e da Mostra. No sábado pela manhã, noite de sexta no Japão, Nise – Coração da Loucura, de Roberto Berliner, que venceu o Redentor do público no Rio, foi o melhor filme no Festival de Tóquio, e Glória Pires, a melhor atriz. No sábado à noite, abrindo a sessão de Tudo Que Aprendemos, Renata de Almeida anunciou que o filme foi o mais visto e votado de toda a Mostra, superando qualquer outro dos 311 programas restantes. “Fiquei muito feliz”, disse Machado. “Em Locarno, tivemos outra sessão ao ar livre, na Piazza Grande, que foi linda. E as críticas foram ótimas. O filme, que me conquistou, está conquistando o público de todo o mundo. Já foi vendido para 20 países, vamos ter um belo lançamento nos EUA.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.