Como no blues, a alma do canto árabe se revela nas inflexões entre uma nota e outra – os microtons, em termos técnicos, que sintetizam peso e triunfo existenciais quando entregues a um Ray Charles ou a um hábil müezzin em seu chamado à prece. Essa intersecção entre o Islã e o delta do Mississippi é o território dos improvisos de Ibrahim Maalouf, trompetista libanês que se apresenta no festival MiMO, em Ouro Preto, na sexta-feira, 30, e em São Paulo, no Sesc Pompeia, neste fim de semana. Seu trompete é ave rara, concebida com quatro válvulas – uma a mais que a norma – para possibilitar o alcance dos poéticos gestos semitonais ouvidos em sua infância.
“É muito próximo do blues”, explica o músico à reportagem . “Há várias pequenas diferenças, mas o blues do qual nós falamos hoje chegou ao delta através da África do Norte, que já era muçulmana.” Em sua música, o idioma híbrido, de duas linguagens historicamente relacionadas ganha sofisticação pela técnica adquirida em formação erudita. O resultado é jazz filtrado por influências que vão da sala de concerto à herança musical de seu pai, ao fascínio adolescente pelo hip-hop.
Nos quatro elogiados discos lançados desde 2007, Ibrahim vai do jazz contemporâneo a uma world music diferenciada, em que consegue alcançar além da fórmula ‘solo sobre um pano de fundo’, camuflando-se entre arranjos, ditando uma dinâmica menos autocentrada e, ao mesmo tempo, extremamente pessoal em seus solos.
“De modo geral, eu não acho que o trompete tem de ser o instrumento mais importante na minha música. A definição de um instrumento é algo que facilita a construção de algo. Isso não quer dizer, necessariamente, que esse instrumento é a coisa mais importante da música. Sou como um diretor que atua no próprio filme, consciente do meu papel no desenvolvimento da trama”, explica, sobre a criativa mescla de música árabe, hip-hop e jazz que faz em seu primeiro disco, Diasporas, de 2007. Ao ouvir o disco, disponível em sua página de Soundcloud, impressiona como Ibrahim foge da norma em sua combinação de música tradicional com improvisos, de fato tomando uma posição de ‘diretor’ que enxerga os arranjos por uma ótica de produtor, como se fosse, além de trompetista, um beatmaker de hip-hop. A maioria dos músicos de jazz – não todos – coloca uma cítara e um djembe e improvisa sobre a música. Eu vejo a world music mais como uma mescla de sotaques. Eu falo francês com sotaque libanês. Quando toco jazz, que não é minha língua materna musical, eu não escondo a tradição libanesa, e isso enriquece a música. Não faço recorta e cola”, diz ainda.
IBRAHIM MAALOUF – Teatro do Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93, telefone 3871-7700. Sáb., às 21 h; dom., às 19 h. R$ 30.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.