Em uma cidade carente de salas e centros culturais estruturados, a ocupação de espaços alternativos tornou-se regra. Casas, garagens, lojas. Cada um se vira como dá. E tudo pode se transformar em espaço para as artes. A inauguração do espaço É Logo Ali, porém, dá indícios de que o caminho inverso começa a valer também. Com grandes instituições deixando-se influenciar por aquilo que o improviso pode trazer de frutífero.
Durante a reforma de sua unidade no Ipiranga, o Sesc pretende transferir suas atividades no bairro para um antigo casarão – adaptado para recebê-las, mas sem perder as características de construção residencial. “Existe uma dose de provocação na proposta”, crê Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc.
Se as novas sedes da entidade adquirem contornos cada vez mais funcionais – basta observar o Sesc Belenzinho -, a ocupação É Logo Ali faz questão de cativar suas ‘imperfeições’. Caixotes de madeira recobrem a fachada da construção imponente.
Rastros do tempo – goteiras e paredes descascadas – foram mantidos para dialogar com a nova decoração. “É uma proposta anti-Sesc”, crê Ricardo Muniz, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto. “E coloca sob suspeita a própria maneira de se fazer e produzir cultura hoje.”
Essencial para a obra do filósofo e poeta francês Gaston Bachelard, o conceito de “poética dos espaços” norteou a ocupação. Na sala de estar, os pertences da família que um dia ocupou o casarão criam a ambientação para um lugar de convivência. Na sala de visitas, três áreas contíguas devem receber espetáculos de teatro e dança. “Cada artista se apropria da área como quiser”, conta a coordenadora de programação, Roberta Lobo. Entre as obras que serão apresentadas ali está Estudos para Lugar Nenhum, de Vera Sala. A criadora, que reflete sobre os estados provisórios e a divisão entre o corpo e o ambiente, deve dançar em uma das salas enquanto o público, separado por um painel de vidro, assistirá à performance de outra.
Ao longo da programação, que deve se estender até o fim do ano, as criações absorvem a imperfeição e o ar de inacabado que impregnam o espaço. Há, inclusive, obras que foram concebidas especialmente para o local.
O Grupo XIX de Teatro preparou uma intervenção que reúne cinco programas, desenvolvidos pelos atores da companhia para serem encenados em diferentes locais: o sótão, a escada, os cantos. “É o convite para uma experiência e não para algo pronto”, pontua Luiz Fernando Marques, que além do Grupo XIX, também está à frente da encenação do grupo 6dois, Cenas para Usar Luvas. Uma adaptação de dez contos de Lygia Fagundes Telles.
Para a cozinha e para os quartos, as propostas procuram fugir da usual proposição de espetáculos e buscam encontros mais estreitos com os visitantes, sem a cerimônia que costuma impregnar as apresentações cênicas. À beira do fogão, a socióloga Ivana Arruda Leite recebe, quinzenalmente, um escritor para conversar sobre livros enquanto cozinha. Em junho, o público pode participar do encontro com Rodrigo Lacerda.
Será possível esbarrar com a literatura em todos os cantos. Seis premiados autores contemporâneos vão dispor suas criações por gavetas, prateleiras, armários e escrivaninhas. Quem subir a longa escadaria de mármore da casa e entrar nos três quartos do segundo andar também vai descobrir narrativas inéditas de Andrea Del Fuego e Joca Reiners Terron. Trechos das obras se espalham por esses cômodos. Impregnam camas e paredes. Como se formassem uma instalação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.