No dia 13 de agosto do ano passado, um jovem fotógrafo pernambucano de 36 anos, Alexandre Severo, morreu no mesmo acidente aéreo que matou o candidato à presidência da República, Eduardo Campos (1965-2014). Severo, fotojornalista de profissão, elegera a campanha do candidato do PSDB a sua prioridade, mesmo já morando em São Paulo desde 2012, onde se dedicou ao mestrado e tentou a sorte como fotógrafo independente. Fez vários amigos na cidade, que já admiravam seu trabalho jornalístico que lhe valeu, em 2009, uma menção honrosa na 31.ª edição do prêmio Vladimir Herzog e o Picture of the Year pela reportagem À Flor da Pele, publicada pelo Jornal do Commercio naquele mesmo ano.
Foi por essa época que a crítica de fotografia Simonetta Persichetti conheceu Severo. A série À Flor da Pele, além de promover o trabalho do fotógrafo, despertou interesse especial por retratar uma família de negros de Olinda com três filhos albinos – sem tratar os modelos com a frieza de quem documenta uma curiosidade antropológica. Persichetti viu nesse exemplo de fotojornalismo ecos do humanismo dos fotógrafos documentais norte-americanos da época da Depressão, em especial Walker Evans e Dorothea Lange. “Curiosamente, Severo nunca mencionava fotógrafos quando falava de seu trabalho, mas de literatura”, lembra a curadora da exposição póstuma Pela Luz dos Olhos Teus, reunião de 19 fotos impressas de Severo que a DOC Galeria de São Paulo abre nesta terça-feira, 24, às 19h30.
Cada uma dessa fotos foi escolhida por um amigo de Alexandre Severo. E ele tinha muitos. Em outubro passado, um grupo deles homenageou o fotógrafo espalhando 100 imagens suas pelos locais que ele frequentava em São Paulo, entre elas as séries À Flor da Pele e Sertanejos, esta última realizada em tributo ao centenário de morte do escritor Euclides da Cunha (1866-1909).
Pertence a essa série a imagem de um padre, registrada num estúdio armado em pleno sertão. O sertanejo em seu habitat e ao mesmo tempo fora dele sintetiza a poética de Severo, que abraça a ficção como irmã gêmea da realidade que o circunda. Em outra foto da série, um criador de cabras é visto ao lado delas e, ao mesmo tempo, em frente ao lençol branco que elimina qualquer possibilidade de narração artificial, escancarando a relação ambígua entre o homem e o meio ambiente hostil.
“Ele levou o estúdio para o sertão nesses dípticos que remetem aos portraits feitos no velho Oeste americano”, analisa a curadora da mostra, que, enfatiza, não é uma retrospectiva, mas uma homenagem dos amigos ao fotógrafo recifense. Severo, conclui ela, “tinha um pé no documental, no jornalismo, mas um olhar que ia além, conduzido pela literatura de Guimarães Rosa e outros autores que admirava”.
Euclides da Cunha, certamente, estava entre eles. Sua série Sertanejos, faz um aggiornamento da visão que o escritor tinha da realidade árida do sertão, abarcando, além de beatos, visionários e cantadoras de incelências, os novos tipos que circulam por lá entre os vaqueiros, incluindo aí travestis, traficantes de drogas e rappers. Por essa série, o caderno especial do Jornal do Commercio que trouxe a reportagem ganhou o prêmio Esso em 2009 e também outro prêmio no Uruguai.
“Severo, porém, sempre extrapolava a pauta jornalística em busca de algo mais pessoal.” O mundo não demorou para reconhecer esse talento. A repercussão da série sobre os irmãos albinos de Olinda foi tão grande que doações de todo o País e também do exterior ajudaram a comprar protetores solares especiais para as crianças, nascidas numa comunidade pobre e vítimas de preconceito.
Além da sala dedicada à atividade do fotógrafo, a exposição Pela Luz dos Olhos Teus, montada em conjunto pela DOC Galeria de São Paulo e a Arte Plural Galeria do Recife, traz um vídeo que será apresentado na rua, em frente à DOC. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.