Sentidos de corpo e alma em ‘A Pele da Máquina’

Dessa vez, a estreia é diferente. A trajetória da dupla Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira, que se iniciou em 2000, em São Paulo, vem sendo tecida com uma sequência de obras que nascem umas das outras. Nesta quinta-feira, 3, e sexta-feira, 4, pela primeira vez, o trabalho que apresentam com o seu grupo no Sesc Pinheiros não surgiu depois de Mapa Movediço, sua mais recente produção (2012). A Pele da Máquina foi produzida com seis bailarinos locais na Croácia, em 2011, mas com outro nome: Nafta.

Ângelo Madureira conta que Nafta começou como uma encomenda. “Foi fruto de um convite de Zvonimir Dobrovic, criador do Festival Queer Zagreb, que havia ganho um edital da União Europeia para artistas envolvidos com a questão ambiental. Iniciamos o trabalho com essa visão, mas como fomos colocados totalmente à vontade, acabamos buscando outra direção nas ideias do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. O resultado foi Nafta, que acabou absorvendo coisas de A Revolta da Lantejoula (2011) e do Mapa Movediço (2012). De lá para cá, ficaram tentando trazer esta criação para cá, sem sucesso. Foi frustrante não conseguir apresentar aqui, com o elenco com quem criamos lá. E foi essa impossibilidade que nos moveu a rever o que havíamos feito naquelas circunstâncias. Foi bem interessante perceber que a montagem que realizamos agora acabou acompanhando o nosso processo de trabalho daqui, aquele que estamos construindo com o nosso grupo. Por isso, o que surgiu veio com cara nova. Não sei se dá pra dizer que é uma remontagem”.

A grande inquietação que gestou A Pele da Máquina foi a de entender como lidar com a memória sem buscar fazer uma adaptação ou tradução. Não é possível reproduzir o passado porque não se volta no tempo. Nesta, que é a 20ª produção da dupla, as perguntas são: trata-se de uma réplica? De um remake?

A parceria com a Croácia iniciou-se em 2007, quando Zvonimir esteve no Brasil, conheceu o trabalho deles e encantou-se por um projeto que desenvolviam desde 2004, chamado de A Casa do Outro. Dedicado a explorar novos espaços para a dança contemporânea, convidavam artistas a ocupar um mesmo lugar (que poderia ser a casa de alguém), compartilhando a experiência de apresentar lá o seu trabalho simultaneamente. “Ele assistiu toda a nossa produção em DVD ao nosso lado, não deu uma palavra e, no dia seguinte, nos convidou para fazermos A Casa do Outro na Croácia”, lembra Ana Catarina.

Em 2008, apresentaram Clandestino (2006) e A Casa do Outro em Zagreb e Rijeka. “Tivemos contato com os artistas de lá e, possivelmente, foi isso o que mobilizou Zvonimir a nos convidar, em 2010, para construir algo mais sólido. Fomos duas vezes para lá antes de começarmos a montar o que viria a ser o Nafta. Usamos a mesma metodologia que adotamos aqui, a de pesquisar fotografias. E a boa surpresa foi que apareceram os mesmos bailarinos com quem já havíamos trabalhado em A Casa do Outro”.

Para Ângelo, “seria impossível reproduzir a obra com o elenco e as questões daqui. Embora o título que agora escolhemos, A Pele da Máquina, não seja uma mensagem, fala da impossibilidade em separar corpo e mente. Não lida com a pele apenas como superfície, porque trabalha todas as peles, envolvendo muitos sentidos e muitas camadas. Me dá a impressão que o que conseguimos construir com o Nafta foi somente um impulso para entrarmos onde estamos agora”. Ele explica mais: “Um aperto de mão tem vários sentidos e envolve várias camadas de pele. Pode ser uma convenção, um acordo ou um afeto. Mesmo sem entender o contexto, o gesto está lá”.

A Pele da Máquina tem direção artística, coreografia e pesquisa de Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira, direção técnica e iluminação de Juliana Augusta Vieira, efeitos sonoros de Fábio Luchs e figurinos de Ana Catarina Vieira e Jasna Bajlo, e sonorização de Josip Mar?ic e Zoran Medved. O grupo é formado por Andreia Guilhermina, Patricia Aockio, Luis Anastácio e Beto Madureira, além dos dois diretores. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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