Sem perder o espírito de repórter

tv41.jpgSempre que anda nas ruas e algum desconhecido se aproxima, Domingos Meirelles sabe de antemão se trata de um leitor ou de um telespectador. Há cinco anos no comando do Linha Direta, o jornalista é autor de As Noites das Grandes Fogueiras, sobre a Coluna Prestes, em sua 10.ª edição. ?O leitor é mais cerimonioso. O telespectador, como aceita nossa invasão à casa dele, sente-se mais íntimo?, diferencia. Longe das grandes matérias na tevê há cinco anos, desde que assumiu o programa semanal da Globo, é pesquisando e escrevendo sobre temas históricos que Domingos dá vazão ao espírito de repórter. O próximo livro, ainda sem título definido, trata da Revolução de 1930 e já está pronto, com lançamento previsto para outubro, pela Editora Record. ?Tenho de ter minhas compensações. Fiquei 35 anos fazendo matérias e sinto muita falta?, admite o jornalista, que completa este ano quatro décadas de carreira.

À frente do Linha Direta, Domingos mantém uma postura discreta e equilibrada, que o difere dos apresentadores de programas com temáticas semelhantes. Particularmente interessado nas estruturas narrativas do programa, o jornalista justifica o tom sério por uma parcela específica da audiência. ?Não posso esquecer que, naquele momento, há pessoas que estão sendo mortificadas pelo sofrimento?, pondera Domingos, que se permite maior liberdade nos especiais Justiça e no recém-criado Mistério. ?Nestes casos, é uma história com construção mais literária mesmo?, ressalta.

Aos 64 anos, Domingos está há 20 na tevê, onde fez grandes reportagens para programas como Fantástico, Globo Repórter e SBT Repórter. Depois de passar por jornais como Última Hora, O Globo e O Estado de S. Paulo, o jornalista foi convidado por Armando Nogueira para o Jornal Nacional. Mas quase não estreou. ?Peguei várias vezes o paletó para ir embora. Não me acostumava ao veículo, sempre fiz matérias muito longas?, lembra Domingos, que em seis meses já estava completamente adaptado e começou a fazer matérias também para o Globo Repórter. ?Sempre achei que estivesse fora do padrão da tevê. Não tenho olhos verdes e tinha uma barba enorme?, brinca o jornalista, deixando a habitual seriedade de lado.

P – Como jornalista acostumado às reportagens de grande fôlego, o que motiva você no Linha Direta?

R – Quando recebi o convite para o programa, estava voltando à Globo depois de uma rápida passagem pelo SBT Repórter. Como precisava de um produto ao qual estar vinculado, acabei ficando, porque era interessante naquele momento. Mas desde então eu aprendo muito com o programa. Ao longo da minha vida profissional, desenvolvi uma capacidade de aprender a cada dia uma coisa nova. Aprendo com as histórias, os personagens, o sofrimento das pessoas. Além disso, o programa está em permanente processo de mudança. Estamos sempre discutindo as estruturas narrativas. Como escrevo, converso muito com os diretores de dramaturgia, com a redação e acho que estamos atingindo um grau de aprimoramento muito interessante.

P – Mas você não sente falta de atuar como repórter?

R – Sinto muita falta. Fiquei 35 anos fazendo matérias. Mas tenho esta limitação imposta pela emissora, então procuro ter minhas compensações. De uma certa forma, compenso isso porque escrevo minhas próprias matérias. Como atualmente minha vida se limita a apresentar um programa, todo o tempo que tenho livre uso para pesquisar, para trabalhar com um recorte histórico que é a República Velha. Ali sou tudo: editor, pesquisador, repórter, vou às bibliotecas, escrevo para as pessoas, peço documentos… Acabo sublimando esta carência de forma muito prazerosa.

P – Apesar da audiência sempre alta, o programa enfrentava críticas por banalizar a violência. Você acha que houve mudanças neste sentido?

R – No início, o programa tinha realmente alguns problemas, que foram sendo resolvidos. Como lidar com a violência é um bom exemplo disso. Uma coisa que sempre discutimos é como tirar a violência do gesto. Se um sujeito matou a família a machadadas, não é preciso mostrar o machado cortando o corpo das vítimas. Mostra-se o gesto e usa-se a sombra, o resto fica por conta de cada um. Questões como esta foram sendo aparadas, corrigidas, objetos permanentes de uma crítica interna. Hoje a gente evita cenas muito explícitas de violência, tenta sugerir, insinuar. Acho que isso contribuiu para que o programa parasse de receber críticas. 

Ex-vendedor de máquinas de escrever

Com equipe do Fantástico localiza avião na Selva Amazônica.

Domingos Meirelles levou 20 anos para escrever As Noites das Grandes Fogueiras. Com o livro que acaba de finalizar sobre a Revolução de 30, foram gastos outros 10 anos. A próxima tarefa é uma espécie de livro de memórias, com histórias de suas principais matérias. O jornalista não imagina quando vá terminá-lo, mas espera voltar a reduzir à metade do tempo a empreitada. ?Meu filho é quem costuma dizer: ?Pai, você não tem mais tanto tempo, tem de ser mais objetivo??, entrega, entre risos.

No que depender da quantidade de material, no entanto, não vai ser fácil. Em pouco tempo, ele lembra vários episódios, como o de uma matéria sobre os 50 anos da Segunda Guerra Mundial para o Globo Repórter. Domingos acompanhava 140 ex-combatentes numa visita à Itália, mas teve dificuldades de gravar as entrevistas, porque o grupo estava numa festiva ?excursão?. O jeito foi alugar cinco carros blindados e repetir o passeio no dia seguinte, com um grupo de 12 soldados e tenentes convidados. ?As matérias que rendem as melhores histórias são as que tinham tudo para dar errado e acabaram dando certo?, acredita o jornalista.

Matéria sobre o Chacal, no Paraguai (Globo Repórter, em 1992).

A carreira de Domingos começou em 1965, quando ele resolveu trocar o emprego de vendedor de máquinas de escrever pelo ofício das letras, como estagiário não remunerado do extinto jornal Última Hora. Desde então, passou pelas redações do Jornal da Tarde, onde começou a reportagem sobre a marcha da Coluna Prestes, de O Globo e O Estado de S. Paulo, além de revistas como Quatro Rodas, Cláudia e Realidade, conquistando 23 prêmios.

Na tevê, destacou-se como repórter investigativo, produzindo grandes matérias sobre temas como tráfico de drogas, contrabando de carros roubados para o Paraguai, roubo de aviões e erros médicos. ?Quando você pensa no outro, em como o público vai entender o que você faz, seu trabalho é bem aceito. O papel do jornalista é partilhar com o outro seu conhecimento?, pontifica. Atualmente, Domingos atua ainda como diretor de assistência social da Associação Brasileira de Imprensa, onde pretende implantar um projeto de resgate da memória de antigos jornalistas. ?Vivemos numa sociedade perversa, em que as pessoas são substituídas, como peças de um carro, quando ainda estão na plenitude de seu conhecimento. Isso sempre me sensibilizou muito?, justifica.

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