Nascido no Egito, de pais armênios, Atom Egoyan naturalizou-se canadense. E foi como cineasta do Canadá que ele se tornou conhecido em todo mundo, inclusive no Brasil. A Mostra foi fundamental para isso, com filmes como Calendar, Exótica e O Doce Amanhã.
Seu novo longa, Captives, concorreu em Cannes, em maio. E o anterior, Sem Evidências, estreou nessa quinta-feira, 24. Numa entrevista por e-mail, o autor discutiu desde a fria acolhida para Captives em Cannes até sua obsessão por temas como a violência contra crianças e o significado dos sistemas de vigilância criados pelo homem – mas que não conseguem evitar atos de barbárie cometidos nos dois filmes.
Sem Evidências, com Reese Whiterspoon e Colin Firth, é sobre o brutal assassinato de três garotos numa comunidade religiosa, que rapidamente forja provas para condenar, mesmo que sem provas definitivas, os supostos autores do crime.
Captives, com Ryan Reynolds, é sobre um pai cuja vida entra em colapso quando a filha é sequestrada quase debaixo de seus olhos.
Egoyan credita à origem armênia sua obsessão pela manipulação da verdade, o tema recorrente de sua obra. E sobre os 30 anos de união com Arsinée Arkadjan, atriz em Captives, reflete – “Elsa me completa, na arte como na vida.”
Ao falar sobre sua atração pelo assunto, Egoyan diz que “o mais impressionante no caso de Sem Evidências é que esse crime jamais será decifrado. Quanto mais lia, mais eu entendia a opção feita pela polícia, pelos legisladores, pela comunidade como um todo. Foi a maneira deles de lidar com o desconhecido. Me parece difícil imaginar cena mais extrema do que a encontrada pela polícia naquela manhã, na floresta de West Memphis. Mesmo que a morte dos meninos tenha sido brutal, nenhuma evidência foi encontrada pelos peritos. Nada de digitais, de DNA, de sangue. Parecia sobrenatural e, sendo a comunidade religiosa, foi quase uma decorrência que tenha forjado uma explicação para ato tão maligno. Como não havia evidência dos demônios criminosos, eles tiveram de ser fabricados. E isso foi feito de forma metódica e racional, com a conivência do sistema judicial”.
Sobre a necessidade por mecanismos de proteção, o diretor diz que “os sistemas desenvolvidos pela tecnologia criam uma ilusão de controle e segurança, mas são impotentes quando se trata de antecipar as nuances do comportamento humano. São oniscientes e, ao mesmo tempo, falham quando se trata de revelar o lado escuro das motivações e necessidades das pessoas. Se registram o horror e a transgressão, não previnem um nem outra. Foi o que me fascinou no evento midiático criado em The West Memphis Tree. Com todas as câmeras no tribunal e demais lugares públicos, nenhuma estava lá para documentar o horror sofrido pelos garotos na floresta. Vemos o resultado final da catástrofe, mas nem minha câmera tenta estabelecer pistas para o que ocorreu. Permanecemos no desconhecido. Como em Captives, você recorre a elementos de thriller para contar sua história”.
A manipulação da verdade é frequente em seu cinema e, neste filme, é evidente na forma como polícia e juiz restringem o campo da investigação. Quanto a isso, “minha obsessão pela distorção da verdade tem a ver com a origem armênia. A meticulosa negação do genocídio pelo governo turco foi uma coisa que impactou minha formação e, desde criança, me tornou sensível ao fato de que a verdade se acomoda a versões convenientes e que nem sempre têm a ver com o que realmente ocorre, ou ocorreu. Esse pode ter sido um dos fatores atraentes para mim nessa tragédia, mas é uma coisa que só pode ser avaliada depois”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.