Selva de Pedra, de 1972, marcou época na TV

Noite de 5 de outubro de 1972. No capítulo 152 da novela Selva de Pedra, Simone Marques, que assumira a identidade de Rosana Reis para se vingar do ex-namorado Cristiano Vilhena, de Francisco Cuoco, era finalmente desmascarada. As lágrimas da heroína, vivida por Regina Duarte, comoveram milhões de espectadores e ajudaram a televisão brasileira a alcançar um feito inédito até então. Pela primeira vez, uma novela alcançou 100% de “share”. Ou seja, todos os aparelhos monitorados pelo Ibope estavam sintonizados no dramalhão de Janete Clair.

Até hoje, Selva de Pedra é referência no gênero. Com direção de Daniel Filho e Walter Avancini, foi a única novela reprisada, e depois refeita, para a faixa das oito. Não por acaso, virou um marco dos 40 anos de telenovelas diárias no Brasil, completados este mês.

Amor, paixão, ambição, jogo de poder, vingança e traição. Com estes ingredientes, Janete escreveu a história de Cristiano Vilhena e Simone Marques, dois jovens namorados do interior que vão tentar a vida na cidade grande – a “selva de pedra”. Enquanto Simone tenta se impor como artista plástica, Cristiano se transforma ao entrar em contato com a poderosa Fernanda, vivida por Dina Sfat. Desiludida com Cristiano, Simone foge e sofre um grave acidente. Dada como morta, ela assume a identidade de uma irmã falecida, Rosana Reis, e volta a trilhar o caminho de Cristiano, num jogo enlouquecedor. A trama central era inspirada na obra “Uma Tragédia Americana”, de Theodore Dreiser, que também rendeu o filme “Um Lugar ao Sol”, de George Stevens. Mas a autora foi muito além desse ponto de partida. “Foi um ?novelão?, que traduziu bem o espírito do Brasil naquela época”, elogia Francisco Cuoco.

Milagre

De fato, o país vivia o chamado “milagre brasileiro”: altos índices de crescimento econômico e o auge da propaganda ideológica ufanista da ditadura militar. “A classe média sonhava em ascender socialmente e projetava isso no casal protagonista. Janete soube catalisar muito bem esse sentimento nacional, sem deixar de fazer sua crítica a esta euforia ilusória”, analisa Mauro Alencar, autor de “A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil”.

Não por acaso, Janete era sempre chamada em Brasília para dar explicações à Censura Federal e precisou até mudar o rumo de Selva de Pedra. Pela sinopse, Cristiano se casaria com Fernanda após a “morte” de Simone. Mas como o público sabia que, na verdade, a heroína estava viva, os censores classificaram isso de bigamia – o que ia “contra os valores da família brasileira”. Janete optou então por fazer Cristiano abandonar Fernanda no altar e, assim, fazê-la enlouquecer. A mudança rendeu a Dina Sfat uma de suas performances mais memoráveis.

Outro que não esquece a experiência é Carlos Vereza. Na pele do marginal Miro, o ator fazia o contraponto ao protagonista vivido por Francisco Cuoco. “O Miro era transparente e nunca enganou ninguém. Já o Cristiano foi se corrompendo pela ambição”, compara. A cena em que o irônico personagem morre na estrada marcou profundamente a memória de Vereza. “Depois que gravei aquilo, saí correndo atrás da minha mãe à procura de amparo. O Miro nunca teve família, cresceu à margem da sociedade, e a sua morte foi uma grande metáfora social de um Brasil sem máscaras”, diz um inspirado Carlos Vereza.

Glória Pires tinha sete anos

– Para diferenciar Rosana Reis da heroína Simone Marques, Regina Duarte usava uma peruca loura toda vez que assumia a falsa identidade. Já Fernanda Torres pintou o cabelo de ruivo e adotou lentes de contato azuis – uma novidade dos anos 80.

– Em 1972, Selva de Pedra inovou com enquadramentos originais, movimentos de câmara e várias externas, principalmente na região portuária do Rio de Janeiro. Além disso, foi a primeira novela a abordar a delicada questão do fanatismo religioso.

– Glória Pires tinha sete anos quando viveu a atrevida Glorinha, de Selva de Pedra, em 1972.

– O elenco original contava com Sônia Braga, Carlos Eduardo Dolabella, Neuza Amaral, Dorinha Duval e Mário Lago. O “remake” trouxe José Mayer, Walmor Chagas, Nicette Bruno, Tássia Camargo e Jonas Bloch.

– Somente Roque Santeiro, de Dias Gomes, repetiu os 100% de “share” de Selva de Pedra. Foi no último capítulo, exibido em 21 de fevereiro de 1986. Mas o feito ficou em família, já que Dias era marido de Janete Clair.

– Depois de gravar um mês como a Laura, no “remake” de Selva de Pedra, Sílvia Bandeira foi substituída. Ela tinha sido convidada por Walter Avancini, que só dirigiu dez capítulos.

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