Scorcese mostra a violenta realidade da Nova York dos anos 1860

Fosse nova-iorquino, você certamente estufaria o peito de orgulho e teria os olhos marejados na cena final de Gangues de Nova York, de Martin Scorcese, que estréia hoje nos cinemas. O filme, um épico sobre a bárbara e jovem cidade da época da Guerra da Secessão (1863), levou mais de trinta anos para passar do livro de Herbert Asbury -lançado em 1928 e devorado por Scorcese em 1970 – às telas do mundo inteiro.

Para os filhos do Tio Sam o filme chega na hora certa, quando eles ainda lambem as feridas dos atentados de 11 de setembro, e no preciso momento em que a máquina de guerra dos Estados Unidos se prepara para esmagar Saddam Houssein.

Mas para nós, bronzeados brasileiros abrigados abaixo do Equador, o filme de 2 horas e 45 minutos é no máximo interessante. É curioso ver que a reluzente Big Apple atual um dia foi um aglomerado sórdido de sobrados decadentes, com porcos pelas ruas, corrupção, intolerância, violência e barbárie.

É nesse cenário que se desenrolam as violentas disputas entre gangues rivais, delimitadas entre os “nativistas” – descendentes de ingleses, alemães e galeses nascidos na América – e os negros e imigrantes, principalmente irlandeses, que desembarcaram em massa na cidade durante a grande escassez da batata, de 1860 a 1870.

No filme os nativistas são liderados por William Cutting, o “Açougueiro”, magistralmente interpretado por Daniel Day-Lewis. Cruel, frio e sanguinário, ele não hesita em “destrinchar” seus inimigos. Do lado dos irlandeses, o grupo de maior expressão são os Coelhos Mortos, sob o comando do Pastor Vallon. Logo no início, numa sangrenta batalha na região de Cinco Pontos, o pastor é assassinado pelo Açougueiro na frente do filho. Com a vitória, William Cutting passa a mandar cidade – das gangues aos comerciantes, dos jogos às prostitutas, passando pelos políticos e pela polícia – com mão-de-ferro.

O filho do pastor, Amsterdam Vallon, passa 16 anos num orfanato, e volta na pele (aqui nada angelical) de Leonardo DiCaprio, jurando vingança. Aí é a velha história de se infiltrar no bando do inimigo, conquistar sua confiança e preparar-se para o acerto de contas. Como o fiel da balança entre o Açougueiro e o filho do pastor está a bela ladra Jenny Everdeane (Cameron Diaz), que trabalha para William e se apaixona por Amsterdam.

NY sitiada

Paralelamente ao desenrolar dos planos de vingança do jovem irlandês, a cidade ferve com as violentas revoltas do alistamento – as draft riots – que durante quatro dias e quatro noites provocaram terror nas ruas de Nova York, com incêndios, saques e violência generalizada. Os rebeldes eram jovens das classes trabalhadoras, que não podiam pagar os 300 dólares cobrados para escapar do alistamento para a Guerra da Secessão, convocado por Abraham Lincoln. E é precisamente no momento do acerto de contas entre William e Amsterdam que as tropas federais atacam para sufocar o motim na cidade.

Ao final trágico dessas batalhas superpostas aparece a bela tomada do sul de Manhattan em 1870, e como era a ilha até recentemente, ainda com as torres gêmeas do World Trade Center de pé. Para os yankees serve como consolo, e um estímulo a mais para que a águia americana arranque do mapa o insolente ditador iraquiano, enquanto Osama bin Laden a tudo assiste de camarote.

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