Depois de seu colapso nervoso na década de 1970 e da decisão de se internar em um hospital psiquiátrico no Japão, Yayoi Kusama “reencontrou sua voz” com a criação da instalação imersiva I’m Here, But Nothing, de 2000, uma sala mobiliada que remete a um cômodo banal de uma casa que é tomado, sob luz negra, por bolinhas coloridas. “Ela demorou para retomar sua autoconfiança, a fazer arte”, diz Frances Morris, curadora, ao lado de Philip Larratt-Smith, da mostra Yayoi Kusama – Obsessão Infinita, que será inaugurada nesta quarta-feira, 21, no Instituto Tomie Ohtake. De caráter retrospectivo, trata-se da maior exibição de obras da celebrada artista japonesa já realizada na América Latina.

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No Rio, quando foi apresentada, ano passado, no Centro Cultural Banco do Brasil, a exposição atraiu 700 mil visitantes e depois seguiu para Brasília. Chega a São Paulo agora com expectativa de público e a presença de peças atraentes – e convidativas para “selfies” e fotos – como I’m Here, But Nothing e a instalação Infinity Mirrored Room (2011), feita de espelhos e lampadazinhas que vão mudando de cor. “São criações de uma canção similar, mas numa chave diferente, mais alegre”, comenta Philip Larratt-Smith sobre esses trabalhos recentes de Yayoi Kusama, mas fazendo também menção ao universo poético – e complexo – da “princesa das bolinhas” (ou do “polka dot”, como fala a curadora inglesa).

Na centena de trabalhos exibidos em quatro salas do instituto, é possível acompanhar de maneira muito clara o processo de concepção da linguagem da artista japonesa. A linha cronológica começa com uma obra de 1950, uma pintura a óleo surrealista em que ela representa apenas uma corda espessa emaranhada em si.

Entretanto, neste primeiro segmento de trabalhos pictóricos e gráficos reunidos ao lado desta tela, já aparecem as formas orgânicas que de um “olhar microscópico” se expandem para a escala macroscópica, fazendo, assim, com que as bolinhas se tornassem elemento identificável de obsessão ou uma marca de Kusama. Outra característica de suas criações são a presença de protuberâncias fálicas em suas peças dos anos 1960 (entre os destaques da mostra estão os sapatos fálicos da artista e o barco da instalação Caminhando no Mar da Morte) e das questões de repetição e acumulação.

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Medos

“Artistas não costumam expressar seus complexos psicológicos diretamente, mas eu adoto meus complexos e medos como temas”, já afirmou Yayoi Kusama e a frase está estampada no começo do catálogo da mostra Obsessão Infinita. “A arte precisa de traumas”, diz Frances Morris, curadora da Tate Modern e responsável também pela retrospectiva da artista apresentada entre 2011 e 2012 não apenas no museu londrino, como também no Reina Sofia, de Madri, no Centro Pompidou, de Paris, e no Whitney Museum, de Nova York.

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A mostra, grande sucesso por onde passou, reavivou mais uma vez o interesse pela obra da japonesa. “Para o Brasil, trouxemos alguns dos mesmos trabalhos daquela retrospectiva, mas em Obsessão Infinita focamos mais no período inicial de sua carreira e na transição de suas questões de vida para seu trabalho. Desde suas pinturas convencionais, criadas no Japão, para o engajamento dinâmico, político, de sua vivência em Nova York”, afirma Frances Morris.

No Japão, Yayoi Kusama, nascida na cidade de Matsumoto, em 1929, se sentia sufocada pela tradição, pela situação de pobreza local no período pós-guerra e pela oposição de sua família à sua arte. “As cordas de suas primeiras pinturas são parte de sua resposta à destruição e desolação”, define a curadora. Decidida a se tornar uma artista famosa, Yayoi Kusama se mudou em 1957 para a América – retornando a seu país natal apenas em 1973, por causa de sua doença mental.

Antes de chegar a Nova York, conta Frances Morris, a artista correspondeu-se com amigos da América. Entre eles, a pintora Georgia O’Keeffe, que lhe aconselhou “ser muito forte, pegar seus desenhos e levá-los, ela própria, aos marchands”. Na década de 1960, ao trazer de uma maneira mais explícita suas neuroses e seus traumas para suas obras, Yayoi Kusama não apenas utilizou a arte como terapia como também realizou ações vanguardistas.

“Desde o início de sua vida na América, ela usou suas estratégias de uma maneira provocativa, criou vestimentas incríveis e chocantes, mas, ao mesmo tempo, suas obras sempre foram muito inclusivas”, diz a curadora. “O uso das bolinhas e de cores chamam muito a atenção, mas é algo também bem sofisticado. Enfim, sua marca é muito poderosa”, completa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.