São Paulo

– A história de São Paulo contém todos os ingredientes necessários para um grande épico do continente: jesuítas, índios, aventura, bandeirantes, café, indústrias, arte, política, guerras, paz, raça, cidadania…

A cidade completa 450 anos hoje, data importante, mas que não está sendo valorizada como foi há cinqüenta anos – nas comemorações do quarto centenário. A opinião é do historiador Hernâni Donato, da Associação Paulista de Letras. É ele quem explica o desenrolar da história paulistana.

História

Tudo começa no Planalto de Piratininga, em 25 de janeiro de 1554. Os padres da Companhia de Jesus, José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, fundam o Colégio dos Jesuítas, considerado o marco inicial de São Paulo. Segundo Anchieta, era uma pequena cabana de 14 passos de comprimento e dez de largura que servia de escola, dormitório, enfermaria, cozinha e despensa. Foi ali, no local conhecido como “Pátio do Colégio”, a partir do trabalho de catequese dos índios, que começou a se formar a cidade mais importante do País. Apesar de alguma polêmica em torno do assunto, essa é a versão oficial da história do início de São Paulo.

Para Hernâni Donato, a localização da cidade não foi fruto de mera coincidência e está diretamente ligada à posição estratégica do local. Portugal, segundo ele, não estava muito interessado no Brasil, “sabia-se que no Peru, ali na frente – não se tinha idéia das distâncias – as águas eram de prata, as montanhas eram de prata, os rios eram de mercúrio – valiosíssimo então – de maneira que o interesse maior de Portugal era como, a partir da costa brasileira, chegar e dominar ao Peru” disse o historiador.

Rio Tietê, (que corta a cidade) era visto como o caminho natural que levava do mar até o meio do continente.

Hernâni Donato explicou que, ao contrário de outros rios que correm do interior para o mar, São Paulo tem o Tietê como exemplo do caminho inverso – de perto do mar para o interior.

“Você tem aí um caminho fluvial que vai do mar até o meio do continente. Você tem, por fraturas geológicas que a natureza traçou, a partir do Pátio do Colégio, de São Paulo, caminhos abertos pela natureza para o extremo sul do continente”, observou, acrescentando que “por um capricho do destino, São Paulo foi situado em um ponto crucial das rotas principais da América do Sul”.

“Isso foi o que chamou a atenção para a região. Não era intenção do padre Manoel da Nóbrega ficar em São Paulo, era conquistar os carijós do Paraguai. Quando eram poucos – seriam trinta apenas os jesuítas no Brasil ou um pouco mais, estamos falando dos anos de 1550 – ele concentrou 13 em São Paulo, que era nada, era deserto. Dois anos depois da fundação existiam 84 pessoas morando aqui. No entanto, havia 13 jesuítas.

Em 1560, São Paulo passou a ser vila, mas continuava a ser considerado um local sem muita importância. Em 1711, passou à categoria de cidade e os bandeirantes da época partiam daqui para buscar riquezas no interior. Depois de declarar a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga,o imperador D. Pedro I se hospedou por 11 dias no Pátio do Colégio, onde escreveu o Hino da Independência.

“Durante os primeiros vinte anos, o crescimento de São Paulo foi de dois – não três – dois nascimentos por ano”, relembrou Donato.

Na mesma época, segundo Donato, a pequena população de São Paulo já contava com a presença de um inglês, dois italianos – no mínimo – e vários espanhóis. “Hoje nós temos em São Paulo noventa, quase cem, etnias diversas. Já naquele tempo havia essa circunstância”, disse.

Outra coincidência apontada pelo historiador é a situação dos meninos de rua. Na época dos jesuítas, não havia comida fácil. Os alimentos vinham do que os índios caçavam e pescavam e do que os padres plantavam. “A comida era algo dificílimo, raríssimo. Comiam pouco e comiam mal”, explicou, acrescentando que “os alunos da escola dos jesuítas, depois da aula, saíam à rua, de choça em choça, a pedir comida. Só faltava ter ?flanelinha? na esquina”.

As mulheres dos primeiros anos de São Paulo, segundo Donato, eram as que faziam o trabalho pesado na cidade – uma vez que os homens saíam para caçar e afastar os índios – “como construir os muros de proteção da vila, reformar estradas e tapar buracos na rua. As mulheres eram convocadas pela Câmara (que governava a cidade então), pegavam as ferramentas e iam consertar”.

Elite paulistana surge com os “barões do café”

A partir de meados do século XIX, o cultivo do café e sua expansão deram origem a uma elite paulistana. A região começou a passar por grandes transformações econômicas e sociais. Em 1867, foi construída a estrada de ferro Santos-Jundiaí e inaugurada a Estação da Luz. Os imigrantes começavam a chegar em massa, em 1895 a população de São Paulo era de 130 mil habitantes, sendo 71 mil estrangeiros. Em 1898, o poder público passou das mãos da Câmara dos Vereadores – que acumulava as funções legislativa, executiva e judiciária – para a Prefeitura Municipal, cujo primeiro titular foi o conselheiro Antônio da Silva Prado.

Hernâni Donato aponta o café como “o grande motor, a grande asa que fez São Paulo alçar vôo”. A riqueza gerada pelo café atraiu nuvens de imigrantes de todas as etnias e promoveu investimentos pesados em infra-estrutura. “O Porto de Santos cresceu assombrosamente, tornou-se um dos maiores do mundo com um só produto: o café”, ressaltou. Para acompanhar esse crescimento, começou o que o historiador classificou de surto das ferrovias.

Donato ressaltou que sempre houve uma elite paulistana, que era restrita e atrasada em relação ao que acontecia na Europa. Na época, São Paulo perdia mesmo em comparação com Pernambuco, que “era a loucura da riqueza, da elegância, do bem viver. Olinda era um prodígio, apontada em toda a Europa como a cidade que tinha, por exemplo, os melhores cavalos de corrida das Américas”. A capital paulista, que até então era fechada em si mesma, passou a dialogar com o mundo a partir do surgimento do café, cuja decadência provocou o surgimento da burguesia. Quando os grandes fazendeiros falidos tiveram que entregar suas fazendas aos bancos, as terras foram divididas.

“Os bancos não quiseram ser cafeicultores. Retalharam as fazendas em sítios e chácaras que foram comprados por imigrantes espanhóis, portugueses, italianos, libaneses, árabes e outros, o que criou uma nova classe. Você vai encontrar depois da revolução de 32, na Constituição, pela primeira vez, uma bancada com nomes estrangeiros, árabes, italianos, alemães, espanhóis… E também vai encontrar o deputado classista, que é o tipógrafo, o farmacêutico, o trabalhador rural. Mesmo no fracasso maior, que foi a crise do café de 1929, com duas geadas seguidas, e depois o “crack” (a quebra) da Bolsa de Nova York, mesmo na sua mais cruel decadência, o café contribuiu para uma nova visão, uma nova formação, uma nova estrutura da sociedade paulista”, explicou.

Além da crise do café, outro motivo apontado pelo historiador para o início do desenvolvimento industrial paulistano foi a Primeira Guerra Mundial, que fechou o trânsito oceânico e fez com que o transporte marítimo privilegiasse o material de guerra. As transformações no Estado de São Paulo refletiram-se principalmente na economia da capital. “Foi preciso um grande esforço de industrialização em São Paulo. Esses dois fatores e mais o crescimento populacional foram os três fatores que transformaram um estado absolutamente agrícola em um estado fortemente industrial”, disse.

Industrialização de São Paulo faz surgir a classe operária no Brasil

Em 1901 é inaugurada a Estação da Luz e bairros como Brás e Lapa concentram as indústrias e transformam-se em bairros operários. O Bixiga abriga a maioria dos imigrantes italianos. A aceleração do processo industrial promove o surgimento do movimento operário, devido à condição de vida precária, com baixos salários, longas jornadas de trabalho e doenças. Em 1917, uma grande greve operária pára a cidade por vários dias. Em 1920, São Paulo tinha cerca de 580 mil habitantes e os imigrantes não paravam de chegar. Armênios e judeus chegam à cidade fugindo de problemas políticos e perseguições.

A semana de Arte Moderna

Em fevereiro de 1922, no “Theatro Municipal”, um grupo de artistas promove três dias de atividades que revolucionariam as artes no Brasil. Literatura, música e artes plásticas jamais seriam as mesmas, após a Semana de Arte Moderna, como ficou conhecido o evento. Participaram nomes como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Villa- Lobos.

Para Hernâni Donato, o grande ponto de virada da cultura paulistana no contexto brasileiro foi a Semana de Arte Moderna de 22. “Há quem diga, e com fundamento, que foi um movimento anti-Rui Barbosa, porque ele foi o protótipo de escrever bem e falar bem. Até 22, não havia jornal no ponto mais remoto do País onde não houvesse um padre, um juiz ou um professor que não mantivessem em suas colunas uma aula de como escrever bem. Ergueu-se uma muralha à evolução da língua. Foi essa muralha que 22 rompeu. Só que não rompeu só no romance, na poesia, mas sim em todas as artes”, analisou, acrescentando que “foi um movimento que fez o Brasil avançar aos saltos. Ele vinha aos centímetros e avançou às milhas”, compara o historiador.

Revolução Constitucionalista

Em 1932, os paulistas pegaram em armas para defender o movimento constitucionalista, promovendo uma revolução contra o governo federal. A cidade virou uma verdadeira praça de guerra.

Esta foi a grande participação da sociedade na vida política da cidade. O conflito entre a elite política do estado, empresários e latifundiários e o presidente Getúlio Vargas, que depôs os governadores dos estados e extinguiu as câmaras municipais, provoca uma grande reação popular. O episódio, segundo Hernâni Donato, influiu totalmente na composição do poder legislativo municipal.

“Se você tomar a formação da Câmara Municipal no começo do século passado e hoje, é quase que uma contraposição. Não é mais uma elite tradicional, não é mais neto sucedendo pai ou avô, mas sim valores populares eleitos pela periferia. É uma mutação interessantíssima de poder político, agora mais largamente distribuído”, disse Donato.

Os 400 anos da cidade

Ibirapuera tem uma área de 1.584.000 metros quadrados e acolhe museus, escola de jardinagem e centro de convivência.

Em 1954, São Paulo comemorou seus 400 anos com vários eventos, incluindo a inauguração do Parque do Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer. A data repercutiu em todo o País. Com o golpe militar de 1964, os paulistanos promovem uma série de manifestações políticas e culturais contra a ditadura. Em 1968, é inaugurada a nova sede do MASP, fundado por Assis Chateubriand e projetado por Lina Bo Bardi, um dos principais cartões-postais da cidade. A primeira linha do metrô é inaugurada em 1974. Um milhão de pessoas se reúnem na Praça da Sé, em 1984, pedindo eleições diretas já. Luíza Erundina é eleita, em 88, a primeira mulher prefeita, do Partido dos Trabalhadores, derrota Paulo Maluf (que se elege em 92). Em 1990, São Paulo ultrapassa os dez milhões de habitantes. Marta Suplicy, do PT, é eleita prefeita em 2000.

Hernâni Donato participou ativamente dos festejos do quarto centenário de São Paulo, em 54. Nesse ano, ele afirmou estar sentindo uma grande diferença entre as duas comemorações e da cidade em si.

“Em 54, havia uma grande euforia popular, São Paulo vibrava de orgulho do que era e das possibilidades do futuro. Curiosamente, foram uns vinte anos de derrubar muros, até mesmo de cadeias. Havia segurança, havia participação. Hoje é o contrário: estão se erguendo muros, se fechando ruas, elevando grades. Isso me preocupa muito quanto ao que esperar, nos próximos cinqüenta anos, da vida da cidade. É um indicativo pouco simpático”, afirmou.

Para o historiador, o grande desafio de São Paulo para os próximos anos é o “de retomar aquela situação, não só de euforia, mas de serena tranqüilidade quanto ao que é, ao que pode ser, ao que deve corrigir e ir em frente”.

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