Bertrand Bonnello reconhece – foi sua indecisão que criou o mal-estar e o afastou de Pierre Bergé, o companheiro de Yves Saint Laurent. Quando os produtores, os Altmeyer Brothers, lhe propuseram biografar o estilista, ele aceitou, mas não tinha ideia preconcebida do que fazer. “Pensava num velho solitário, e nas possibilidades visuais que um filme desses oferecia. Para não me influenciar, resolvi que só falaria com Bergé depois que tivesse o meu recorte. Ele me achou arrogante. No intervalo, surgiu o outro Saint Laurent (de Gilles Lespert), que buscou seu aval e ele apoiou. Terminamos discutindo na Justiça, mas tenho de reconhecer – ele não tomou nenhuma medida para interditar meu filme. Desejou-me boa sorte, e foi tudo.”

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Saint Laurent teve direito a gala em Cannes, em maio, e é o representante da França para concorrer a uma vaga no Oscar. Disputa a indicação com o brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. O longa de Daniel Ribeiro está no Mix Brasil, numa programação intitulada Vale a Pena Ver de Novo (com outro nacional – Praia do Futuro, de Karim Aïnouz). O de Bonello, se já não tivesse estreado, também poderia estar no Mix, já que o recorte do diretor privilegia os anos loucos – 1967/76 -, quando Saint Laurent lança sua primeira coleção e chega ao topo, afirmando-se como o número 1 do prêt-à-porter de luxo. Homem da noite, ele tem ligações perigosas e viaja na droga com um amante perigoso. Ascensão e decadência, não propriamente queda. Um terceiro ato mostra o Saint Laurent decrépito, interpretado pelo ator viscontiano Helmut Berger.

O diretor e seu ator – Gaspard Ulliel – vieram mostrar o filme na cidade, no quadro da São Paulo Fashion Week. O curioso é que Ulliel é garoto-propaganda da Maison Chanel. “Queria esse terceiro ato, mas achava que seria excessivo tentar cobrir todo o arco dramático de uma vida. Poderia me concentrar, quem sabe, em 24 horas, três dias, uma coleção. Os Altmeyers só me impuseram uma condição. Que trabalhasse com um roteirista, Thomas Bidegan, colaborador habitual de Jacques Audiard (e duas vezes vencedor do César, o Oscar francês, por ‘O Profeta’ e ‘Ferrugem e Osso’). Optamos por uma década, na qual aflora tudo, o gênio como os problemas.”

Em filmes como O Pornógrafo, Tirésia e L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância, Bertrand Bonello já viajou pelos aspectos sombrios da sexualidade. Saint Laurent lhe permite juntar tudo – o amor da beleza e os impulsos destrutivos. A falta de apoio de Pierre Bergé complicou as coisas. “Não tivemos acesso ao ateliê de Yves nem ao apartamento da Rua Babilônia, onde ele se isolou e construiu seu mito. Os desenhos, as roupas são praticamente de domínio público. Os espaços fechados, tivemos de imaginar. Yves não era só um homem noturno. Vivia em interiores, que se fechavam sobre ele, como prisões. Na Rua Babilônia, esculpiu seu gosto pessoal pela arte. Reproduzimos tudo, após pesquisas acuradas.” O brilho visual leva a soluções como dividir a tela. “Yves teve a sua fase Mondrian. Eu homenageio os dois.”

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A relação de Yves com Bergé foi idealizada no documentário L’Amour Fou. Bonello a mostra de forma realista. Para Bergé, não é só uma relação afetiva. Yves vira o centro de um império, investimento econômico. Jeremie Renier, dos filmes dos irmãos Dardenne, é quem faz o papel. Ele tende a isolar seu amante artista, até como forma de exercer controle. Entra em cena o belo Louis Garrel, como Jacques de Basher. Com ele, Saint Laurent libera o sexo e as pulsões destrutivas. São as cenas graficamente mais ousadas do filme. O sexo, que tanto atrai Bonello como autor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.