Em 1925, o artista Juan Gris declarou que o cubismo era um “estado de espírito” – “não sendo um procedimento, mas uma estética, deve certamente ter uma relação com todas as manifestações do pensamento contemporâneo”, definiu o espanhol. “Foi o movimento mais importante do século 20, uma verdadeira ruptura com o que ocorreu antes”, diz, agora, Serge Fauchereau, autor do livro “O Cubismo – Uma Revolução Estética: Nascimento e Expansão” (Estação Liberdade), que chega nesta semana às livrarias brasileiras. “Até o impressionismo, a arte era figurativa. Monet olhava a natureza, Picasso e Braque, não”, resume o crítico.

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Os cubistas, no início dos anos 1900, eram “antirromânticos”, explica o historiador de arte. Não estavam interessados em “falar do amor ou da guerra” e criavam suas obras movidos por um “sentimento mútuo por distorcer e quebrar as coisas” – para depois reconstruí-las e ressignificá-las. Novas tecnologias e teorias (como as de Freud e Einstein, contextualiza), além da expansão das cidades (algumas, emergindo como metrópoles) incitaram, na época, questionamentos sobre “o tempo e o espaço”. “Nas artes, a perspectiva começou a ser questionada desde Cézanne”, afirma Fauchereau sobre o pintor, precursor do cubismo. “Já o poeta Mallarmé suprimiu a sintaxe e Stravinsky, a tonalidade musical.”

O livro “O Cubismo”, lançado em 2012 na França, adensa, principalmente, a questão de o movimento artístico, desprovido de um manifesto, espraiar-se de uma maneira única por distintas áreas da criação. As colagens de Picasso e Braque, exemplifica o autor, são como os poemas de Pierre Reverdy ou as “conversas” de Apollinaire – escritos realizados de fragmentos de diálogos que ele ouvia nos cafés de Paris. Entretanto, o cubismo, além de incorporar a música com, entre outros, o compositor Erik Satie, diferencia-se do surrealismo, que também uniu artistas e poetas, por ser mais livre e menos intelectual.

“O cubismo era muito mais interessado em algo que fosse popular”, considera Fauchereau. As menções à música nas obras de Max Jacob, o interesse dos artistas pelo circo e por esportes – “pense nos jogadores de futebol de Delaunay” -, assim como por revistas pulp e pelo cinema (Fernand Léger fez o filme Ballet Mécanique em 1924), são indicadores do olhar para o mais comum. “E sempre que se fala desse movimento, esquece-se do humor que há nele”, completa o crítico. “Juan Gris desenhava para a imprensa satírica para ganhar dinheiro e Picasso fazia trocadilhos, algumas vezes, obscenos, em suas colagens.”

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Certa vez, lembra Fauchereau, ele divertiu-se em Nova York ao ver que “as pessoas estavam tão sérias e falavam em voz baixa” diante do quadro Les Demoiselles d’Avignon que, realizado em 1907 por Picasso, é fixado como marco do cubismo. “Acho essa obra muito engraçada”, diz. Como não há “pensamento político ou social entre os cubistas”, ressalta o francês, o pintor espanhol e outros que trouxeram a “arte negra” para suas criações pouco sabiam ou se interessavam pela origem das máscaras africanas que o inspiravam na época.

Curiosamente, o historiador também chama a atenção pelo fato de o movimento não ter destacado, em Paris, a participação de mulheres. Elas estavam, segundo ele, na Rússia e até no Brasil. “Anita Malfatti foi uma das primeiras a olhar o cubismo e Tarsila o estudou profundamente”, afirma o crítico. Entusiasta da antropofagia, o também autor do livro “Avant-Gardes du XXe Siècle” (2010) acredita que o movimento brasileiro seja “crucial para o século 21”.

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Serge Fauchereau, que foi curador do Centro Pompidou, é especialista em literatura, tendo lecionado nas Universidades de Nova York e Austin, nos EUA. Atualmente, ele é responsável pela curadoria de grande mostra dedicada ao poeta dadaísta Tristan Tzara (1896-1963), a ser inaugurada em 24 de setembro no Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Estrasburgo, na França. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.