Arte fotográfica desvenda o universo. |
Para o crítico literário Harold Bloom, “nós lemos porque Shakspeare, Dante, Chaucer, Cervantes, Dickens, Proust etc., nos enriquecem a vida”. Através da leitura reflexiva de literatura canônica, adquire-se sabedoria. Assim, quando Oscar Wilde escreve em De Profundis que a meta do amor é amar, não mais e não menos que amar, “The aim of love is to love: no more and no less”, temos diante dos olhos a chance real de tornarmo-nos mais sábios em relação ao amor.
Mas e a Fotografia? Por que a quase duzentos anos, geração após geração, há tantas pessoas fascinadas por imagens fotográficas? São muitas as respostas para esta pergunta. De fato, parecem ser tantas respostas quanto pessoas que apreciam imagens fotográficas. A visão que apresento nestes ensaios penetra nos fundamentos da Fotografia, e sou motivado a expô-la exclusivamente pela consciência da necessidade – mais que urgente – de o cidadão do século XXI dominar com fluência tecnologias de decifração e produção de imagens.
A Fotografia é uma tecnologia de investigação
cognitiva do universo. Ou seja, através do uso da tecnologia fotográfica a humanidade almeja alcançar o conhecimento da verdade.
Vejamos alguns exemplos que ilustram o uso da Fotografia como ferramenta cognitiva humana. Estes fatos podem ser verificados facilmente através da consulta a uma boa biblioteca e da experiência direta com a Fotografia. E talvez seja útil acrescentar que são exemplos de 3 grandes ordens: histórica, ontológica e gnoseológica.
a) A FOTOGRAFIA DE PAISAGENS floresce rapidamente no Brasil de Dom Pedro II, ele mesmo um grande entusiasta da nova tecnologia. Nomes como Augusto Stahl, Victor Frond, R. H. Klumb, Augusto Riedel e A. Frish estão ligados a esta fase caracterizada pelo interesse especial pela geografia brasileira. Mas é através das imagens de Marc Ferrez – “o maior fotógrafo brasileiro do século XIX em virtude da qualidade e diversidade de suas paisagens”, nas palavras de Françoise Heilbrun – que podemos apreciar ferrovias em construção, estradas, portos, paisagens marinhas, índios botocudos e uma pequena população de escravos libertados por D. Pedro II em 1865 (Portanto, mais de 20 anos antes da abolição da escravatura no Brasil!). Certamente estas imagens fotográficas são um importante legado do Brasil do século XIX. E o interesse que têm despertado em pesquisadores contemporâneos é apenas mais um sinal de seu grande valor cultural.
b) O DIA 11 DE SETEMBRO de 2.001 é um marco da história universal. E o tempo de escala humana poderá fazer pouco para apagá-lo da memória tanto de ocidentais quanto de orientais; tanto do presente quanto do futuro. A queda das Torres Gêmeas em Nova Iorque foi fotografada à exaustão. Mas por que tantos fotógrafos não-profissionais registraram este fato trágico? Pelo mesmo motivo que também somos levados a fotografar fatos agradáveis, como o nascimento do filho, o aniversário de quem amamos, o prêmio tão esperado etc. Nós fotografamos espontaneamente os eventos marcantes que presenciamos tão somente porque eles nos dizem respeito – porque participam de nossas vidas. E peço licença para fazer um relato mais pessoal. Na juventude fui presenteado por meu pai com a primeira câmera fotográfica de minha vida. E ainda hoje lembro nitidamente a tempestade de emoções que senti ao fotografar, sob seus olhos, um magnífico pôr-do-Sol. Pois foi efetivamente à partir desta imagem fotográfica simples (e que por sorte conservei em meu acervo ao longo dos anos), imagem carregada de notas emocionais, que iniciei minha jornada consciente através do universo mágico da Fotografia.
c) O RETRATO DE FLORENCE THOMPSOM foi apresentado ao grande público em 1955, na famosa exposição fotográfica “A Família do Homem”. Mas foi em 1936, na fase conhecida como Grande Depressão americana que a fotógrafa Dorothea Langue, seguindo sua intuição, encontra e fotografa a mãe migrante com seus filhos – à beira do desespero da fome. Hoje “A Mãe Migrante” é considerado e respeitado como o retrato fotográfico mais conhecido nos Estados Unidos. Agora, quais são as forças misteriosas que fazem com que uma imagem fotográfica seja revestida de tamanha aura e alçada à condição de tesouro da nação mais rica do planeta? Algumas imagens fotográficas têm o poder de alterar intensamente o estado emocional de quem a vê (ver ensaio Inspiração & Fotografia). Na verdade, ao contemplarmos imagens fotográficas tomamos contato com conteúdos conceituais de diversas ordens. E, estejamos conscientes ou não disto, estes conteúdos passam a fazer parte de nosso repertório imaginativo. Portanto, a “Mãe” de Dorothea Langue continuará espiritualizando – através dos séculos – quem simplesmente a olhe.
Enfim, por que nós vemos imagens fotográficas? Parafraseando Bloom, nós vemos imagens fotográficas porque Henri Cartier-Bresson, Ansel Adams, Pedro Martinelli, Miguel Rio Branco, Helmut Wagner etc., nos enriquecem a vida. Agora, indo além, nós vemos imagens fotográficas porque temos a necessidade de conhecer. Conhecer o cosmo – o lugar em que vivemos. E conhecer o universo interior humano: nossos pensamentos, sensações, intuições e sentimentos mais profundos.
Roberto Lopes é fotógrafo e editor do site de Fotografia exclusivo do Paraná-Online, Pensamento Fotográfico.
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