Rush leva brasileiros ao delírio em três shows inesquecíveis

Visualmente, talvez um show do Pink Floyd seja melhor. Em matéria de virtuosimo, é possível que uma apresentação dos americanos do Dream Theater seja superior. Do ponto de vista histórico, um espetáculo dos Rolling Stones é mais emblemático. E no que diz respeito à pirotecnia, pode ser que um show do Kiss encha mais os olhos. Mas ninguém consegue aliar com tanta perfeição som, imagem e sentimento como o trio canadense Rush, a atração mais aguardada do Festival Kaiser Music, encerrado domingo no Maracanã.

Os 160 mil brasileiros que tiveram o privilégio de assistir aos concertos da turnê “Vapor Trails” no Brasil (40 mil em Porto Alegre, 62 mil em São Paulo e 40 mil no Rio de Janeiro) devem concordar que o Rush é a melhor banda em atividade no planeta. Principalmente se levarmos em consideração a tragédia por que passou o baterista Neil Peart, que em 1997 perdeu quase de uma só tacada a filha e a esposa.

O visual do show “Vapor Trails” pode não ser tão majestoso quanto um espetáculo do Floyd dos tempos de The Wall, mas se encaixa com perfeição à já impecável música dos canadenses. E eles não soam tão prolixos quanto os colegas ingleses de progressivo. No quesito imagem, a grande estrela é o gigantesco telão de alta definição, estrategicamente instalado atrás dos músicos. Além de permitir aos pobres mortais que se instalam nas longínquas arquibancadas a oportunidade de ver as expressões de Geddy Lee (voz, baixo e teclados), Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart, a cada música o equipamento hipnotizava o público com magníficas imagens de computação gráfica -túneis, bonecos psicodélicos, um esqueleto doidão, fotos, meteoros e grafismos.

Mas a estrela do telão é um impagável dragão digitalizado, que aparece logo no início do segundo bloco, durante a música One Little Victory, do disco Vapor Trails. Aparentemente irritado com a banda, o dragão se debate, olha feio, se joga no chão, agita uma bandeirinha branca, queima a sua credencial e, no clímax, literalmente cospe fogo no palco. Ele olha para a “câmera”, sopra, e a labareda praticamente “atravessa” o telão para tomar conta do palco, atrás dos músicos. A luz é outro espetáculo à parte – perfeitamente sincronizada ao ritmo alucinante de Peart e Lee, ajuda a transmitir todos os climas das canções e transforma o palco numa “caixa de Pandora” às avessas, deixando escapar sonho e fantasia. Na segunda metade do show, um festival de raios laser transformou os três estádios em naves espaciais. Completando o visual, três enormes “máquinas de lavar” operam sem parar nas três horas de show.

Com relação à técnica, talvez os talentosos garotos que se juntaram para formar o Dream Theater sejam “melhores”. Mas o Rush consegue temperar uma técnica absurda, com doses cavalares de feeling. Eles não exageram no virtuosismo, passaram da fase “veja como eu sou bom”. Nem o solo de bateria de dez minutos de Neil Peart (“The Rhytm Method”) é chato. Xilofones, bateria eletrônica, e o talento infinito do baterista quase ofuscam a imensa bateria giratória. Em resumo: os três músicos do Rush conseguem ser virtuosos sem ser entediantes ou pretensiosos, coisa que o Dream Theater ainda vai levar um tempo para conseguir.

OK, os Rolling Stones são uma lenda, contemporâneos dos Beatles, 40 anos de estrada, blablablá… Mas o Rush, do alto dos seus 33 anos, também merece respeito. E, ao contrário da trupe de Mick Jagger, jamais tinha se apresentado abaixo da linha do Equador. Alguém ainda é capaz de questionar o valor histórico dos shows da semana passada? Além disso, os canadenses são um trio, e preenchem o palco tanto quanto a parafernália que acompanha os Stones. Pirotecnia? Só o supracitado dragão já intimida os shows de fogos e o teatro do Kiss. Quanto ao som, melhor nem falar nada.

Se me permitem a audácia de uma crítica aos shows que o Rush apresentou no Brasil, ela se restringiria ao set list. Embora tenha percorrido todas as fases da carreira da banda, o repertório deixou de fora jóias como “Mission”, “Nobody?s Hero”, “Red Barchetta” e “Time Stand Still”. Por outro lado, brindou o público com a inacreditável “YYZ”, e mais “The Pass”, “Distant Early Morning”, “New World Man”, e clássicos como “Freewill”, “Closer to the Heart” “2112” e “Natural Science”. As músicas novas -“One Little Victory”, “Vapor Trail” e “Gosth Rider”, todas do último disco – também agradaram em cheio.

Enfim, as três primeiras apresentações dos canadenses no Brasil mostraram um Rush “mordido”, revigorado e pulsante.

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