A roupa de Ronaldo Fraga nunca é só roupa. O estilista mineiro traz sempre significados ora políticos, ora sociais às suas criações, transformando os desfiles em manifestos. Desta vez, Ronaldo jogou luz à maior tragédia ambiental da história do Brasil: o rompimento da barragem de Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015. Com uma mensagem de reconstrução e resistência, ele se uniu a bordadeiras da região de Barra Longa, devastada pelo acidente, para desenvolver as peças da coleção. Sobre isso, Fraga falou com exclusividade ao E+ na entrevista a seguir.

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Moda tem que ter significado?

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A gente não quer mais coisas mudas, tudo tem que ter uma fala, um suspiro que seja. A moda tem que ter propósito, assim como a vida.

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Como surgiu a ideia de trabalhar com as bordadeiras de Barra Longa?

Essa história nasceu quando fui convidado para ir até lá conhecer um grupo de bordadeiras. Cheguei, dei o nome ao projeto, que se chama Meninas de Barra Longa (a gente fala meninas, mas tem bordadeiras de 80 e poucos anos ali). No primeiro encontro, pedi que elas trouxessem bordados que caíram em desuso, que elas guardavam de forma preciosa, e uma delas, que é a mestra e está com princípio de Alzheimer levou uma camisolinha de batismo que todos os primos dela tinham usado. Em Minas tem muito disso, de uma peça passar de uma pessoa para a outra na família. “Mas a minha era muito mais bonita”, ela disse. E eu perguntei “Cadê a sua?”. “A lama levou”, ela respondeu. “Então vamos bordar outra para a próxima geração”, eu falei. Acho que é isso o que tem ser feito agora. Já se falou muito da tragédia pela tragédia. Agora a gente corre um risco de viver uma tragédia cultural também, além da ambiental. É um saber que está se perdendo por vários motivos. Um deles é que, por serem estigmatizadas pela história, as pessoas estão recebendo suas indenizações e indo embora. Acho que isso merece uma vitrine.

Tocar em assuntos relevantes traz uma narrativa importante para a passarela.

A arte consegue, a arte faz isso. Essa história das fotos me marcou muito. Logo quando aconteceu a tragédia, eu vi na televisão o Seu Antonio, lá em Bento, que por oito meses ficou cavando o lugar onde estava a casa dele à procura de uma foto das duas filhas gêmeas que morreram. A única coisa que ele tinha era essa foto. “Eu posso ter perdido tudo, a casa, a criação, mas a foto não, porque é a única imagem que eu tenho delas”, ele contou. Quando eu comecei a fazer a coleção, coloquei fotos nos tecidos, e escrevi também os nomes nas fotos, que é um hábito comum entre famílias grandes.

Quais materiais você usou nessa coleção?

A coleção é 100% em linho, porque o linho é um tecido ideal para o bordado brasileiro. O Brasil, que já produziu o terceiro melhor linho do mundo, hoje não faz mais. Tem uma tecelagem que agora começou a fazer linho puro, e estamos trabalhando com ela.

Tem que resgatar também a questão da produção da matéria-prima, não?

Isso. Para essa brincadeira do nome das mudas das plantas, eu pensei em qual seria o fio da meada, até que cheguei nos jardins que um dia a lama levou.

A cidade está em processo de reflorestamento?

Hoje quando você chega a cidade está reconstruída. Ela está melhor do que era antes até. O rio está assoreado, o que é um grande problema, porque pode ter uma nova enchente. É foco de febre amarela, que é uma coisa muito séria. Mas as plantas já tomaram conta do lugar. Eu falo que é uma lição de resistência para a gente, porque são as primeiras que rompem a terra seca.

Neste momento em que a SPFW foi vendida, o varejo passa por uma crise e o mercado vive uma fase difícil, você acha que a moda está resistindo?

O mundo mudou, eu procuro ser otimista nesse sentido. Ele mudou rápido, envelheceu rápido e a gente tá querendo sentidos novos para velhas coisas. São tempos de resistência, e isso é no mundo inteiro, não é um problema do Brasil. Quando você se pergunta qual é seu propósito, qual é seu lugar. Hoje, por exemplo, não me interessa o que você faz, mas por que você faz. Por que você faz roupa? Por que você planta?

E por que você faz roupa?

A roupa é o meu canal de comunicação. O mais importante para mim é o comunicar, não a roupa. Alguém já me disse “Nossa, você é tão apaixonado pela moda”. Não sou apaixonado pela moda, a moda é só o veículo que eu tenho. Se eu tivesse que fazer outra coisa, faria do mesmo jeito. Quando eu chego num lugar como esse como estilista, se um dia foi difícil, hoje é mais fácil, porque esse lugar do vestir, do corpo como suporte para mídia, é muito bacana. Estão vindo 12 meninas de lá para ver o trabalho delas nesse lugar, a maioria que nunca saiu dali, isso é transformador. A moda, quando faz isso, tem esse poder. É impossível tirar a postura política disso. Não dá para esconder essa tragédia debaixo do papel. As barragens continuam rompendo no Brasil. Mas eu não queria reforçar a tristeza. Queria que de alguma forma fosse um alento.