Rodrigo Ogi apresenta seu hip-hop em SP

“Talarico safado, pagou de galã, é mal-educado, quer ser don-juan, corteja a mulher do alheio, não tem disciplina? corre corre Talarico, se eles pegarem você, vão meter o maçarico.” Na página, Talarico parece ter escapado de um partido-alto. Um clássico malandro caricaturizado, destinado a sucumbir às leis da boemia. Na caixa, tingido pela sisudez da gíria paulistana, pela elocução monocromática, pelo beat picotado, é mais um dos personagens a transitar pela São Paulo de Rodrigo Ogi, talento ascendente do hip-hop nacional que faz shows amanhã no Clash Club e em dezembro no Sesc Santo André – este, como parte do festival Batuque.

Como o incensado Criolo, Ogi integra uma vertente do hip-hop que canta o gueto sem politizá-lo. Além de “Talarico”, lançado esta semana como single (disponível na internet), seus demais personagens habitam o primeiro disco “Crônicas da Cidade Cinza”, uma sagaz viagem pela Pauliceia lançada este ano, que descreve o dia a dia fumacento com olhar objetivo, equilibrando-se entre o humor e a seriedade, tal como um cronista. “Sempre ouvi Adoniran, Geraldo Filme, Germano Mathias, todos esses grandes do samba paulistano. O modo sarcástico com que eles descrevem São Paulo, com que dão o recado sem serem óbvios, me cativa. Também ouvi bastante brega, de Reginaldo Rossi a Bartô Galeno”, conta Ogi.

No disco, seu olhar narra a cidade como uma aventura de HQ. Há finas e buzinadas pelo trânsito caótico, o Ploc! Bam! Pow! de brigas entre rappers e histórias como “Por Que Meu Deus”, em que Ogi rima na voz de um policial (“sigo a chamada no meu camburão, vou atrás de ladrão, pois só da contenção… Ouço meu parceiro esbravejar: lá vem os filhos de Tobias de Aguiar”). “Por Que Meu Deus” talvez seja o melhor exemplo da objetividade de Ogi, pois narra, sem preconceito, a versão do lado mais odiado, historicamente, pelo hip-hop.

Há também crônicas que retratam a batalha cotidiana e solitária da grande cidade. A produção do disco é tristonha, em tom menor. Contém a angústia da metrópole como nos clássicos dos Racionais. Dá a sensação de um narrador sofrido que se supera a cada faixa. Quando isso acontece, vem filtrado de pieguice pela criatividade de Ogi. “A primeira parte do disco chama-se Pronto para a Guerra, uma analogia sobre minha caminhada em São Paulo. Me inspirei em jogos de videogame e no filme Warriors, em que os protagonistas, integrantes de uma gangue, têm de passar pelo território inimigo.” “Pronto para a Guerra” culmina em uma briga com o rapper Zé Medalha, tipo metido a besta que, nas palavras de Ogi, “só faz pose, anda com roupa descolada, correntão e dente de ouro, mas não sabe rimar”. E de fato a peleja é narrada como se fosse uma fase de videogame, em que o jogador tem de vencer o chefão para chegar ao próximo estágio: “Mandei um box, soltei uns croques. No chão achei uma barra de inox. Dá cambalhota no ar. Ah quantos truques, mas o zé-mané perde um pé de seu novo Rebook” (sic).

A munição para as rimas de Ogi começou a ser colecionada em sua adolescência, quando pichava muros no bairro do Ipiranga. “Na minha área, o pessoal ou usava droga ou roubava. Eu não tinha vocação para nenhum dos dois, então comecei a pichar. Me interessava pela tipografia. Queria entendê-la. Já rimava antes, mas larguei tudo e me dediquei à pichação”. Ogi “rodava” de vez em quando e ia parar no S.O.S. criança, ou tinha de fazer serviço comunitário. Mas nunca passou mais de um dia no xilindró até virar assistente social e ensinar rap na Febem. Desse trabalho surgiu uma consciência sobre a importância do hip-hop para o jovem da periferia. Mas, ao contrário da militância estabelecida nos anos 90 por grupos como os Racionais, Facção Central e Pavilhão 9, o rapper percebeu que poderia contar a mesma história de uma forma mais lúdica, que não criasse preconceitos e ajudasse na formação. “Eu já vi muita gente morrer. Vi muita coisa ruim, mas tem muito moleque que não tem opinião formada me escutando. Eles não têm base nenhuma. Escutam seu grupo preferido e se decidem por aquilo. Por isso, procuro passar minha mensagem de uma maneira mais light, sem ser politizado, e formar pessoas que pensam.” Trata-se de um discurso praticado também por Criolo e Emicida (os dois grandes nomes do rap nacional no momento, ao lado dos quais Ogi merece estar).

O resto da história de Rodrigo Hayashi, rapper de 31 anos que adotou o apelido de Ogi ao tornar-se pichador, é essencialmente paulistana. Seu avô era japonês, mas casou-se com uma brasileira e foi execrado pela comunidade. O outro avô era Felix Nascentes Pinto, um dos expoentes da Umbanda, que dá nome a várias avenidas do País. Sua tia era cantora de jovem guarda e ocasional jurada no programa do Bolinha. Partes da mistura que compõem seu refinado lirismo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Ogi – Clash Club (Rua Barra Funda, 969). Tel. 011 3661-1500. Terça-feira, às 23h59. R$ 50/R$ 80. Sesc Santo André (Rua Tamarutaca, 302). dia 11/12, às 18h. R$ 32/R$ 16.

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