Ainda que pareça, Roberto Carlos não é de ferro. E de todos os anos desde 1999, quando perdeu sua amada Maria Rita para o câncer, esta talvez tenha sido sua temporada mais árdua. Roberto sofreu. Seu nome foi anunciado aos continentes com críticas duras, acusações de prática de censura e intransigência por se colocar contrário às biografias não autorizadas. Artigos em jornais e debates em programas de TV o fuzilaram por meses. Ele mesmo foi ao “Fantástico” dar uma entrevista confusa e se saiu mal. E, então, deixou um grupo de artistas alinhados com sua postura desgastado tanto com parte dos fãs quanto com cantores como Caetano Veloso, que o acusou publicamente de “posar de Rei”.
Como não é de ferro, o Roberto Carlos que apareceu na Globo na noite de terça-feira para seu especial de Natal não se conteve e chorou. Antes de cantar “Como É Grande o Meu Amor por Você”, parou a frase no meio para engolir o nó na garganta e deixar as lágrimas brotarem. “Nessa canção, eu tenho a chance, a oportunidade de dizer pra vocês tudo…” As palmas vieram com o seu silêncio. Roberto olhou para baixo e voltou com a voz embargada em uma sinceridade indiscutível: “…tudo o que eu sinto por vocês. Eu amo vocês”.
O mito devorou o homem e todos os seus pecados assim que surgiu com “Emoções”. Mais do que de música, Roberto Carlos alimenta-se de memória afetiva e lembranças afetuosas das quais um brasileiro que tenha entre 20 e 80 anos de idade dificilmente escapará. Se alguém não gosta de Roberto Carlos, sua mãe ou sua avó certamente gostam. E se essas pessoas já partiram, então, o fenômeno se fortalecerá na morte. Apostando na própria condição de familiaridade que estabeleceu com sua audiência, Roberto não muda uma nota em seus mais de 50 anos de carreira. Se o fizer, corre o risco de quebrar a viagem derrubando a conexão com o passado.
Suas canções seguem intactas. “Como Vai Você?” vem depois da longa declamação de um poema de Carlos Drummond de Andrade e “Outra Vez” traz apenas de novo uma pausa maior no final, antes que o último “outra vez” feche a canção.
Enquanto o show transcorre, as redes sociais transbordam. Internautas criticam sua gravata, seu cabelo e suas falas sem perceber que estão todos lá, passivamente diante da TV de Roberto Carlos em pleno 25 de dezembro. O Ibope crava no dia seguinte 26 pontos de audiência, três a menos do que a marca do ano anterior mas cinco vezes mais do que o segundo colocado. Cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo.
O mito devora o homem outra vez na seção convidados especiais, a série de bênçãos que Roberto distribui desde que começou seus especiais de Natal, há 40 anos. Até quem discordou ou discordaria das posturas do mortal cai em reverência. Lulu Santos diz, antes de cantar “As Curvas da Estrada de Santos”, que decidiu ser o que é vendo o programa Jovem Guarda, nos anos 60. “Obrigado por todo esse tempo, Roberto.” Tiago Abravanel vem de Tim Maia fazendo a caricatura do soulman com “Não Quero Dinheiro” e, depois, com “Negro Gato”. “Estou nervoso.” A atriz Tatá Werneck, a espalhafatosa Valdirene de “Amor à Vida”, estabelece outro link vital ao mito, fazendo de Roberto um personagem da própria novela e o levando para a vida paralela e não menos real de um considerável contingente de fãs.
E Anitta fecha o ciclo da retroalimentação do fenômeno. Roberto estabelece contato agora com o novo que interessa à sua carreira, deixando que Anitta cante “Olha” com voz infantil e, depois, dividindo com ela “Show das Poderosas” mixada a “Se Você Pensa”. Ao final, o mito vence e sai ainda mais forte, deixando o homem pronto para mais um round. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.