O tema dos ritos e ditos expressos pelos moradores da Vila das Peças, litoral norte do Paraná, é um dos itens da pesquisa de mestrado de Eliana Rocha, antropóloga e professora na UFPR e na Facimod-Faculdade Modelo em Curitiba. Sua dissertação, Nomes, rezas e anzóis: tradição e herança caiçara, foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFPR. Além do professor Ricardo Cid Fernandes e de Christine Chaves, ambos da UFPR, a banca contou com a presença do professor Antônio Carlos Diegues, da USP. Seu estudo da dinâmica cultural demonstrou que a natureza, a religiosidade e as ligações familiares são vistas como redes de relações sociais dotadas de significados culturalmente construídos.
Zélia: Por que foi importante para você estudar a natureza dos eventos rituais caiçaras?
Eliana: Busquei entender os aspectos empíricos da religião e suas ligações com as experiências culturais. Os rituais, no meu estudo, são vistos como pontes entre ideologias e sistemas de ações que permitem não só a percepção do passado, mas o que o expressa e modifica no presente. Os ritos caiçaras são vistos como instrumentos de transmissão de valores, por um lado, e como regeneradores e reprodutores das relações sociais por outro.
Zélia: Pode-se afirmar, então, que os rituais impõem ordem social?
Eliana: São modos de criação e retenção de particularidades culturais, controladas através das formas, valores, experiências, palavras e ações, que contribuem para a construção e reconstrução do conceito de ?peçano?, do ethos religioso e das subjetividades coletivas das suas crenças.
Zélia: Como se dá esta confluência?
Eliana: O peçano geralmente mistura a doutrina religiosa com crendices e superstições nas quais acredita, recitando orações, narrando ?casos? e cultivando lendas e tabus alimentares transmitidos tradicionalmente.
Zélia: Pode-se dizer que o batismo é forma de regeneração e reprodução social?
Eliana: Na Vila, este ritual cumpre a função de renovação da aliança. Compadres e comadres são figuras de grande importância. Obrigações, proibições e restrições fazem parte deste acordo, como a ajuda mútua, o respeito e os convites para eventos.
Zélia: Isso seria um modo de reprodução social. E como se dá a regeneração social?
Eliana: Os peçanos buscam, por meio do batismo, resgatar as alianças constituintes de um componente de ordem ideológica mais ampla. A religião forja um elo de ligação dos indivíduos à sua ordem social, inclusive, por meio das ênfases a sanções sobrenaturais de conduta.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestre em antropologia pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná – zeliabonamigo@uol.com.br.