“Rio-Bahia” faz homenagem à amizade

Apesar da diferença de idade, Dori Caymmi e Joyce se consideram da mesma geração e têm história afetiva e musical comum. Ele foi arranjador do primeiro disco dela, nos anos 60, e volta e meia, nesses 40 anos, ambos fizeram shows juntos, especialmente no exterior. O disco "Rio-Bahia", da Biscoito Fino, é o primeiro que os dois assinam juntos. Foi lançado no Japão, Estados Unidos e Inglaterra, onde eles se apresentaram com o repertório, mas demorou até uma gravadora brasileira editá-lo aqui, embora as 13 faixas sejam de música genuinamente brasileira. O show de lançamento, já visto lá fora, vem para o Sesc Pompéia (20 e 21 de maio) e para o Teatro Rival, do Rio (de 25 a 27).

"O álbum foi encomenda de lá e, quando eu sugeri fazê-lo com Dori, todo mundo adorou. A gente sempre gostou das músicas um do outro e escolhemos as faixas entre o que havia de inédito, ou quase, e outras composições feitas para o disco", conta Joyce. "Somos de uma geração, um grupo, que procura a qualidade estética, a harmonia, que sofreu influências muito brasileiras. Por isso, fazemos um tipo de música que pode não interessar a todo mundo de imediato, mas tem audiência cativa", continua Dori "Nem sempre as gravadoras e rádios se interessam por nosso trabalho, mas o público nunca falta a nossos shows."

Para fazer o disco, os dois se encontraram no Rio no início do ano passado, numa das muitas vindas de Dori ao Rio, onde nasceu e cresceu e de onde saiu há 16 anos, para morar em Los Angeles. Ele trouxe o samba "Fora de Hora", parceria com Chico Buarque, que Joyce canta; ela veio com "E era Copacabana", com melodia de Carlos Lyra, que ele canta.

Nesta e em quase todas as faixas, respira-se uma Bossa Nova saudosa de tempos em que o Rio era otimista e o carioca, em lugar de reclamar, gostava de ufanar-se de sua cidade. Nostálgica é "Saudade do Rio" (de Dori e Paulo César Pinheiro, que assina parte das letras). Mas há também muita baianidade, em faixas como "Mercador de Siri" e "Flor da Bahia" (mais duas de Dori e Pinheiro). A influência confessa é Dorival Caymmi, pai de Dori, que tem mãe mineira, nunca morou na Bahia (só passava férias lá), mas sempre foi tido como baiano.

"Todo mundo pensa que só faço música baiana porque, apesar de ter mais de cem canções, pouca gente as conhece e menos ainda sabe que são minhas. Mas tenho composições mineiras, cariocas e até nordestinas, só que não ligam a meu nome", explica Dori. "Na adolescência, me chamavam de Baiano. O Edu Lobo é muito mais ligado a Pernambuco e eu até tentei colocar este apelido nele, mas não colou", lembra. "Também, o pai do Edu, Fernando Lobo, não inventou Pernambuco, como seu pai inventou a Bahia", justifica Joyce.

Foi conversando assim que os dois fizeram Rio-Bahia, que tem ainda dois clássicos, "Pra Que Chorar", um hino ao otimismo, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, e "Saudade da Bahia", de Dorival, que Joyce cantou acompanhada por seu violão e o piano de Kenny Werner, um americano sem sotaque e totalmente jobiniano "Kenny é um dos principais músicos de jazz hoje nos Estados Unidos, que tive a sorte de ter na minha banda nas primeiras turnês que fiz por lá", adianta Joyce. "Eu quis gravar esse samba e Dori, que já tinha feito este samba milhões de vezes, disse que ficaria comigo para contar essa história do baiano que deixou a família aos 23 anos para tentar a sorte no Sul."

Do fundo do baú, eles acharam Joãozinho Boa Pinta, samba da primeira metade do século passado, assinado por Geraldo Jaques e Haroldo Barbosa, com o qual Dori diz não ter ainda a intimidade necessária. "Vou passar os próximos dias com ele. Para cantar e tocar bem é preciso estudar cada música durante muitas horas, por muitos dias. O João Gilberto passava cinco meses numa só canção e estava certo", diz Dori. Então, como explicar a espontaneidade do disco? "Para ser espontâneo, é preciso estar seguro. É igual teatro. Quem assiste ensaio acha que não vai dar certo. Na verdade, não escrevi os arranjos completos. Gosto que os músicos me emprestem a criatividade deles. Só escrevo as cordas e no resto deixo bastante espaço para sugestões e improvisos deles."

Além de ser um disco de sambas, com levada Bossa Nova e uma ode à música brasileira, "Rio-Bahia" é a celebração à amizade. A música-título foi composta em meio às gravações, brincando com "Acontece que eu sou Baiano", de Caymmi-pai. Dori e Joyce realçam a brejeirice e malícia da letra e da melodia. O disco funciona também porque eles acreditam que música pode melhorar o pessimismo dos tempos atuais. "A palavra chave é beleza", filosofa Joyce. "Se a gente cria momentos de beleza com música, as pessoas ficam com um astral melhor. É por aí que queremos seguir."

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