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Revolução no palco

O dia 28 de dezembro está definitivamente marcado na história do teatro brasileiro. Foi naquela data, em 1943, que estreou, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a peça Vestida de Noiva. Provocou um verdadeiro assombro na plateia, acostumada a comédias importadas e interpretadas por atores que não decoravam o texto (existia a figura do ponto para assoprar as falas) e que eram iluminados por uma única luz. O que aquelas pessoas viram era uma rebuscada dramaturgia nacional, dividida em três planos simultâneos, criada por Nelson Rodrigues; uma cenografia elaborada como arquitetura cênica por Santa Rosa, e, principalmente, uma iluminação e uma direção expressionista que transformaram a cena nacional, agora, finalmente com corpo e alma próprios, graças ao polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978).

A preparação para aquela noite memorável, em que os atores foram submetidos a exaustivos ensaios, e a repercussão provocada pelo primeiro espetáculo efetivamente moderno do teatro brasileiro são alguns dos pontos altos de Ziembinski – Aquele Bárbaro Sotaque Polonês, escrito por Aleksandra Pluta e que agora ganha versão nacional, pela editora Perspectiva. Até então, a passagem por Zimba (como aqui era conhecido) pelo Brasil era conhecida graças à obra fundamental Ziembinski e o Teatro Brasileiro, do crítico Yan Michalski (1932-1990), publicada postumamente.

Aleksandra, assim como Michalski, nasceu na Polônia, o que se revela essencial para entender o amor e também o desprezo provocado pelo encenador entre seus pares. Afinal, dizer que a montagem de Ziembinski, com o grupo Os Comediantes, para o texto de Nelson Rodrigues é o “ponto de partida do moderno teatro brasileiro” pode ser uma simplificação, mas não deixa de ser também uma verdade. Ziembinski trouxe ao Brasil uma concepção estética moderna do “teatro como espetáculo”. Mas, segundo alguns críticos, ele foi, por isso, uma influência “colonizadora” e o responsável pela interrupção de uma tradição teatral genuinamente popular no Brasil.

Não se pode negar, no entanto, a vital importância do artista polonês que, em 37 anos vivendo no País, atuou e/ou dirigiu 94 peças. Ziembinski pertence à leva de diretores estrangeiros que aportou no Brasil entre os anos 1940 e 50, como o belga Maurice Vaneau (1926-2007) e os italianos Adolfo Celi (1918-1986) e Gianni Ratto (1916-2005), cuja biografia foi agora relançada (leia abaixo). Todos fugindo da destruição provocada na Europa pela 2.ª Guerra.

Aleksandra mostra como a imigração polonesa foi grande e importante para o Brasil. E, no caso de Ziembinski, a pesquisadora relata como sua vocação artística se revelou logo cedo, sedimentando um talento reconhecido em seu país. Lá, torna-se famoso pela versatilidade, atuando e dirigindo, notadamente espetáculos comerciais. Mas Ziembinski não escondia um olhar crítico e, em 1939, quando a Segunda Guerra estava prestes a eclodir (justamente com a invasão da Polônia pelos nazistas, no dia 1.º de setembro), ele dirigia e também atuava em Genebra, comédia de George Bernard Shaw que ridicularizava não apenas Hitler como também seus colegas italiano e espanhol, Mussolini e Franco.

Essa montagem é uma das surpreendentes revelações oferecidas pela obra de Aleksandra, notando ali um Ziembinski mais engajado do que no período em que viveu no Brasil, onde ficou à margem da ebulição teatral que marcava os palcos do Arena e do Oficina, notadamente “revolucionários”. Ao polonês interessava mesmo era expandir sua visão profissional de atuar e dirigir.

Antes da chegada de Ziembinski e outros artistas estrangeiros, o teatro nacional era encenado por poucos profissionais – o grupo carioca Os Comediantes, por exemplo, era formado por amadores, que viviam de outras profissões. Sob o comando do encenador polonês, todos são obrigados a descobrir a rotina de atores profissionais, ensaiando exaustivamente até momentos antes da estreia do espetáculo.

Mas é justamente essa essência que transformou Vestido de Noiva em um marco. Com cenários de Tomás Santa Rosa, um trabalho cênico nunca visto antes no teatro nacional, e o texto de Nelson Rodrigues, que misturava tempos e planos de ação, passando da realidade à memória e à alucinação, o espetáculo causou espanto, mesmo entre os que, pela novidade da dramaturgia e da cenografia, diziam não compreendê-lo. Ziembinski abria, ali, um novo caminho para os futuros encenadores – para ele, uma peça era uma obra autoral realizada a partir do texto. Assim, todos os artistas envolvidos deveriam se preparar com técnica e criatividade.

Em seu livro, Aleksandra mostra ainda como Ziembinski estendeu seu talento na televisão, atuando em novelas como O Bofe (1972) e O Rebu (1974). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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