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Retrospectiva no CineSesc celebra a obra de Luchino Visconti

Qual é, para o cinéfilo do século 21, principalmente se for jovem, o sentido de redescobrir um autor que pertence à história, como Luchino Visconti? Ele nasceu em novembro de 1906 e morreu em março de 1976, antes de completar 70 anos. Estamos falando de fatos que remontam há mais de 40 anos, há mais de um século. Como artista, sua obra segue viva e, agora mesmo, o CineSesc anuncia a maior retrospectiva de Visconti realizada no País. Começa nesta quarta, 28, às 20h30, sendo o filme de abertura Vagas Estrelas da Ursa, de 1965. A sessão é aberta ao público e o evento prossegue por mais duas semanas, até 14.

Todo Visconti. Serão 17 longas – em três ele assina episódios -, 12 cópias em película, estalando de novas, e as restantes em DCP, não menos impecáveis. Um luxo à altura do homem e do artista. Aristocrata de nascimento, comunista pelo projeto de sua vida, Visconti viveu intensamente a contradição. O pai, duque de Modrone, foi um notório mecenas do Teatro Scala, de Milão. Iniciou o filho na alta cultura. A mãe, Carla Erba, era plebeia, mas herdeira de um império farmacêutico. E, apesar dessa origem, do berço esplêndido, o jovem Luchino pegou em armas e militou na resistência antifascista durante a 2.ª Guerra. Como muitos resistentes, depois da guerra se tornou comunista. Il Conte Rosso, o Conde Vermelho. No final da vida, contestado por uma nova geração de críticos e diretores, projetou-se no personagem de Violência e Paixão, e Burt Lancaster, Il Professore, que já havia sido o príncipe Salinas de O Leopardo, grita, como o próprio Visconti – “Não sou um reacionário!”

Com fama de perfeccionista, é impossível imaginar um Visconti atraído pelas novas tecnologias, fazendo filmes baratos. Amava o fausto, a ópera e o melodrama, conhecia profundamente a literatura e o teatro. Em Paris, nos anos 1930, belo como um deus – poderia ter sido modelo -, frequentou o atelier de Mlle Chanel. A estilista o apresentou a Jean Renoir. Começava a aventura do cinema, mas, para abraçar os filmes, Viscont precisou renunciar aos cavalos, que eram sua paixão. Tinha um haras. Possuído pelo cinema, antecipou o neorrealismo com Obsessão e deu ao movimento um de seus mais belos filmes – La Terra Trema. Também foi dos primeiros a se distanciar do neorrealismo, com o painel histórico de Sedução da Carne. Faz parte do folclore viscontiano – para atingir a espessura da neblina que queria para as suas Noites Brancas (o filme chamou-se, no Brasil, Um Rosto na Noite), e com um custo elevadíssimo, preencheu o espaço entre a câmera e os objetos, os atores, com tule. Visconti tinha uma relação fetichista com o tecido. Sua mãe era louca por tule. São numerosas as fotos de família que mostram o garoto Luchino a olhar embevecido para a imponente Dona Carla, envolta em tule, quando saía com o marido para as funções no Scala. Nos anos 1960, descobriu a lente zoom e a utilizou com crueza, para captar a intensidade dos sentimentos no rosto de Sandra, a personagem de Claudia Cardinale em Vagas Estrelas da Ursa. Um dos planos mais famosos do filme mostra a zoom dirigida para as imagens invertidas de Sandra e do irmão incestuoso, projetadas na água da cisterna, no velho palazzo familiar.

Cada um terá seu Visconti de preferência. O do autor do texto é Rocco e Seus Irmãos, seguido de Vagas Estrelas da Ursa, O Leopardo, O Trabalho, episódio de Boccaccio 70, Belíssima, Violência e Paixão, Sedução da Carne e Os Deuses Malditos. Viraram paradigmas Morte em Veneza e Ludwig, a Paixão de Um Rei, nos quais Visconti encara a (própria) homossexualidade. Em Rocco, história da desintegração de uma família meridional em Milão, capital do Norte industrializado, o Visconti progressista deveria eleger o irmão que adquire consciência de classe e se engaja no movimento sindical – Ciro. Mas sua câmera é atraída pela pureza de Alain Delon e pela bondade de Rocco, mesmo que ela, como diz Ciro, “provoque estragos”. Em Sedução da Carne, já expusera o dilema. Lívia Serpieri, aristocrata como ele, trai o primo barão e a causa do Risorgimento pelo sorriso cínico do soldado austríaco das tropas de ocupação. Para saldar as dívidas do amante, rouba dinheiro da causa. No limite, delata-o, mas não por honra. Por despeito, quando Franz Mahler cospe em seu rosto o desprezo que sente por ela.

Em O Leopardo, de novo o Risorgimento, o príncipe Salinas, colhido num período de intensas transformações, aceita o conselho do sobrinho prático. Tancredi/Delon lhe diz que as coisas precisam mudar, para que tudo fique o mesmo. O príncipe dá seu aval para que ele se case com a bela e vulgar Angelica Sedara, selando a união da aristocracia decadente com a burguesia ascendente. No grande baile, o mundo para – o fim de uma época – quando o próprio príncipe, Burt Lancaster glorioso, dança a valsa com Angélica, Claudia Cardinale no auge de sua exuberância. Na verdade, toda a obra de Visconti possui esses momentos (e personagens) emblemáticos. Sandra, a Electra de Visconti, vai vingar o pai judeu e isso significa expor e enterrar os fantasmas da guerra em Vagas Estrelas, título que vem de um poema de Giacomo Leopardi. Ludwig prefere seus belos pajens e os castelos que constrói, a um alto preço. É a ruína do reino, e a dele. Como sabe sua amargurada prima Elizabeth – Romy Schneider, de novo no papel de Sissi -, e o príncipe Salinas também sabe, não existe esperança para os malditos. Quando o chacal substituir o leopardo no escudo familiar, todos serão o sal da terra.

Toda a imensa obra de Visconti, seus argumentos originais como as adaptações e até os filmes que não conseguiu concretizar – uma sonhada versão de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust -, é profunda e pungentemente autobiográfica. E se ele sempre narrou as derrotas e descreveu as almas solitárias e os destinos destroçados pela realidade, cada filme escondia sempre outro, que ele nunca fez, sobre a grandeza e decadência da família Visconti.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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