É como se um grande véu ocre, de passadas de vernizes e repinturas sucessivas feitas ao longo dos tempos, encobrisse a luminosidade das cores naturais que o pintor francês Nicolas Poussin (1594-1665) usou, no século 17, para fazer um de seus maiores quadros, ‘Hymenaeus Travestido Durante Um Sacrifício a Príapo’. A grande tela, com 3,73 m de comprimento por 1,66 m de altura, uma das obras-primas do Museu de Arte de São Paulo (Masp), ficava, até então, aquém de sua verdadeira natureza aos olhos de quem a visse na parede do fundo do segundo andar do museu, onde são exibidos os destaques de sua coleção. Mas até o fim de agosto, essa obra de Poussin recuperará suas verdadeiras cores e esplendor, graças ao cuidadoso processo de restauro pelo qual já vem passando desde 19 de janeiro. Como parte das atividades do Ano da França no Brasil, a restauração, orçada em 150 mil euros, está sendo feita por uma brasileira ilustre, que veio especialmente de Paris para tanto. Ela é Regina Costa Pinto Moreira, restauradora de renome e de vasta experiência, ligada há mais de três décadas ao Museu do Louvre.
Desde que ‘Hymenaeus Travestido Durante Um Sacrifício a Príapo’ (aproximadamente 1634-1638) foi comprado por 25 milhões de cruzeiros pelo Masp, em 1958, da Galeria Wildenstein de Nova York, não havia sido restaurado. A obra, proveniente do acervo de Cassiano dal Pozzo, passou por várias coleções, entre elas, a do rei espanhol Filipe IV e dos Palácios Borghese (Roma) e do Bom Retiro (Espanha), nas quais sofreu várias repinturas. Até mesmo o historiador francês Jacques Thuillier, especialista em Poussin, quando esteve no Masp há mais de 20 anos para ver a tela, fez um apelo para que fosse restaurada. “Essa obra está extremamente repintada, ele diz em sua monografia. Foram várias campanhas de restaurações que se sucederam”, afirma Regina.
Baiana, nascida em Salvador, ela fez toda a sua formação na Europa. Em Madri, cursou belas artes e especialização no Instituto Central de Restauração de Obras de Arte e Arqueologia. Também estudou no Instituto Real do Patrimônio Artístico de Bruxelas até prestar concurso e entrar para o Museu do Louvre, em 1973, não como funcionária da instituição, mas “profissional liberal contratada”, que também presta serviço a outra instituições. Desde então, vive na França e, pela primeira vez, vem realizar um restauro no Brasil (no Louvre, Regina restaurou da coleção do Masp a pintura ‘O Artista – Retrato de Marcellin Desboutin’ (1875), de Manet). Ela conta que já passaram por suas mãos outros Poussins, telas de Rafael, Botticelli, Leonardo da Vinci, peças, sobretudo, do renascimento italiano. Regina tem até o fim de agosto para restaurar ‘Hymenaeus Travestido Durante Um Sacrifício a Príapo’, ação patrocinada pela CNP Assurances (Caixa Nacional de Previdência) e Caixa Seguros.