Ressurreição dos piratas

São Paulo – Aventuras nos mares chegaram a constituir-se numa vertente específica do cinema de Hollywood, depois que o lendário Errol Flynn empunhou a espada de Capitão Blood, no filme que Michael Curtiz adaptou do livro de Rafael Sabatini, em 1935. O próprio Flynn voltou às águas em outras histórias, mas faz tempo que o gênero deixou de ser atraente para o grande público. Roman Polanski amargou o maior fracasso de sua carreira justamente com Piratas, e o filme não era de todo ruim. Pois os piratas estão de volta, e com tecnologia de ponta, numa superaventura que foi bem nas bilheterias dos EUA. Prepare-se para o pirata high tech de Johnny Depp, que invade hoje as telas dos cinemas.

Seu personagem, Jack Sparrow, talvez seja o pirata mais efeminado que já singrou os sete mares, mas não é gay. E a técnica é decisiva pelo motivo contido no subtítulo agregado ao título original, Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra. Vítimas de uma maldição, os piratas do Caribe viram esqueletos ambulantes à luz da Lua, o que possibilita efeitos vertiginosos no interior da mesma cena, até do mesmo plano. Na abertura, uma menininha canta uma canção que exalta os piratas e provoca calafrios na tripulação do navio no qual viaja com o pai.

A embarcação resgata um náufrago, um menino que possui um estranho medalhão, do qual a garota se apossa. Anos mais tarde, todos crescidos, são assombrados pela chegada de Jack Sparrow e também do Pérola Negra, o navio comandado pelo sinistro Barbossa – líder dos mortos-vivos. Para reverter a maldição que remonta ao tesouro que Cortez roubou no México, é preciso um ritual de sangue, e aquele mesmo medalhão que você viu no prólogo.

Exatamente no outro extremo do filme, no fim, um letreiro informa que a origem de Piratas do Caribe é Walt Disney?s Pirates of Caribbean. A Disney, cujo desenho deste ano já foi uma aventura de pirataria (Simbad), associou-se agora ao produtor Jerry Bruckheimer, e o filme tem a cara dele. Bruckheimer é um megalômano que acredita em filmes de alto orçamento, com muitos efeitos e astros e estrelas no elenco.

Ele não apenas reza na cartilha do cinemão como foi o homem que ajudou a formatar o moderno conceito hollywoodiano de filme de ação, em produções como Bad Boys, A Rocha e Pearl Harbor. Claro que Bruckheimer não iria reabrir a vertente de Errol Flynn e Michael Curtiz para fazer uma aventura de piratas à moda antiga. Para os críticos, Capitão Blood e outro filme de Curtiz com Flynn, O Gavião do Mar, de 1940, serão sempre melhores. Mas não há por que não se divertir com o que Piratas do Caribe tem a oferecer.Hilário

E o que é mesmo que o filme oferece? Uma interpretação hilariante de Johnny Depp. Ele talvez seja o ator mais especial de sua geração. Ousa mais do que qualquer outro, tendo esculpido sua reputação principalmente na parceria com o diretor Tim Burton, para quem foi Edward Mãos de Tesoura e Ed Wood. São dois outsiders -dois monstros, possivelmente -, mas tão doces que comovem o espectador com sua humanidade.

Duelos

Keira Knightley é gracinha, Orlando Bloom é bom na espada – e ambos fazem o par romântico da história -, mas as melhores cenas decorrem do duelo entre os personagens de Johnny Depp e Geoffrey Rush. A disputa, evidentemente, se dá também entre os atores – Rush, que ganhou o Oscar por Shine – Brilhante, e Depp, o astro que não liga muito para a imagem (e até se mudou para a França, para ficar perto da amada, Vanessa Paradis). Depp cria um pirata extravagante no plano físico, com aquelas roupas esquisitas que se completam com rímel e ouro nos dentes. Por mais excêntrica que seja a figura, é seu humor que dá o tom do filme. Pode parecer pouca coisa, mas esse é um mocinho que não é bem mocinho e Depp ainda permite que o jovem Bloom leve a melhor com a bela Keira. O resultado é apreciável. O público não se aborrece, ri um pouco, assusta-se às vezes, mas se alguém for ver Piratas do Caribe esperando uma obra de arte deveria ter a cabeça examinada.

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