Quem passa pela praça Generoso Marques e vê o antigo prédio do Palácio da Liberdade embalado numa gigantesca tela azul e cercado por tapume, pode pensar que todos os trabalhadores da obra são somente operários da construção civil. Certo? Errado. Nem todos são exatamente pedreiros, pintores de parede, marceneiros, encanadores, eletricistas, serventes. No meio dessa gente que pega no pesado, tem a delicadeza do trabalho (igualmente pesado) de uma equipe de 25 restauradores que está investigando, através das paredes do prédio da antiga prefeitura, os quase cem anos da história cultural, artística e arquitetônica da Curitiba do início do século passado. Esta história está sendo resgatada com a restauração do antigo Paço Municipal, feita pela Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio). Graças a um convênio entre Fecomércio e Prefeitura de Curitiba, o Paço está sendo recuperado e será um espaço cultural.
Aos poucos, a equipe vai garimpando mais e mais informação para restaurar essa construção de 1916 que já abrigou o gabinete de 42 prefeitos de Curitiba. ?Com isso, um pouco da história da cidade, em breve, ficará mais acessível, o prédio que está sendo restaurado para dar lugar ao Centro Cultural do Sesc Paraná?, diz o prefeito Beto Richa.
Bisturis, minúsculos pincéis, pinças, trinchas e hastes de algodão se tornam ferramentas indispensáveis nas mãos dos restauradores que fazem o trabalho de decapagem e de prospecção das paredes do Palácio da Liberdade – única edificação de Curitiba tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).
A restauradora Luciane Ribas, coordenadora da equipe de restauradores, explica que para as grandes obras de restauração de patrimônios históricos, como a do Palácio da Liberdade, os profissionais precisam trabalhar em grupos e, com acompanhamento de historiadores, arqueólogos, sob a coordenação geral de arquiteto especializado na área de edificações de valor histórico e patrimonial.
Ela diz que, além do domínio da técnica, o restaurador dever ser muito criterioso na hora da execução serviço. ?Muitos métodos de tratamento na obra podem causar danos irreversíveis, portanto, o restaurador deve trabalhar todos os detalhes, minuciosamente. Ele deve saber que, com a mesma ferramenta com a qual ele recupera, pode também destruir um patrimônio?.
O antigo Paço Municipal de Curitiba está sendo restaurado por uma equipe especializada. |
Também conhecido como Paço Municipal, o prédio é um dos mais importantes monumentos arquitetônicos da cidade, cujas linhas arquitetônicas se enquadram no ecletismo, com predominância do Art Nouveau, estilo marcado pela decoração elaborada e formas curvilíneas ou sinuosas, presentes no portão de ferro da entrada principal, na marquise voltada para a praça Tiradentes e nas esquadrias de madeira.
O arquiteto especialista e coordenador geral dos trabalhos, Humberto Fogassa, informa que a equipe procura atuar de acordo com as técnicas tradicionais em que o prédio foi construído. ?Os responsáveis pelo projeto atual são os mesmos da reforma feita entre 1972 e 1973: Cyro Corrêa Lyra e Abraão Anis Assad?, afirma.
Historiadores atestam que o edifício já passou por pelo menos três reformas. Os restauradores revelam, por meio do trabalho de prospecção -pela decapagem de pequenas janelas nas paredes – que algumas já foram pintadas, pelo menos, onze vezes. A técnica restauradora Karoline Felipe, 21 anos, que trabalha na recuperação das pinturas dos desenhos das faixas, explica que não faz repintura. ?O que fazemos é uma intervenção reconstitutiva, respeitando técnica e linguagem estética?.
Técnica
As técnicas são muitas e variam conforme o substrato. Para recuperar o desenho e a pintura de paredes na cor mais próxima possível do original, os restauradores usam, entre outras, a técnica do pontilhismo – que consiste em pintar o que é observado, aplicando pequenos pontos ou manchas de cor separadas uma a uma, que a certa distância deixa-se de ver os pontos para enxergar a cor por eles composta. A mesma técnica está sendo usada na recuperação das pinturas em óleo sobre tela. As telas já passaram por outras fases de restauro, mas encontram-se bastante comprometidas. As obras, além de apresentar problemas nas formas e nas cores diferentes do original, por causa de intervenções equivocadas, apresentam rasgos no tecido e na moldura.
Um novo centro cultural
Com previsão de entrega para este ano, o prédio da antiga Prefeitura de Curitiba, depois de reformado e restaurado, será transformado no Centro Cultural do Sesc Paraná. O edifício terá ambiente para exibição audiovisual, salão multiuso, camarim, sala de leitura, salas de aula de arte e oficinas pedagógicas, salão de exposição, estúdio de gravação, livraria, loja, internet, café, entre outros. No novo espaço, oportunidade para o aperfeiçoamento de artistas paranaenses e para o público conhecer e ampliar contato entre as diversas manifestações culturais e artísticas locais, nacionais e internacionais.
Por meio de convênio de permissão de uso por 25 anos, assinado em julho de 2006, pelo prefeito Beto Richa e pelo presidente da Federação do Comércio do Paraná, Darci Piana, o Sesc Paraná assumiu a responsabilidade pelo restauro do Palácio da Liberdade – antiga Prefeitura de Curitiba – uma imponente edificação de estilo arquitetônico eclético, erguida entre 1913 e 1916 no então Largo da Cadeia, atual Praça Generoso Marques.
Histórico
Oficialmente designado como Palácio da Liberdade, o Paço Municipal foi construído em 1914 onde antes funcionava o Mercado Público. O primeiro, dos 42 prefeitos, a ocupar o edifício foi Cândido Ferreira de Abreu, no dia 6 de fevereiro de 1916. O último a administrar a cidade do local foi o engenheiro sanitarista Omar Sabbag, que em 13 de dezembro de 1969 se transferiu para o então recém-inaugurado, Palácio 29 de Março, no Centro Cívico, atual endereço da Prefeitura de Curitiba.