Réquiem para um mestre

Como todo bom guerreiro, Flávio Colin saiu de mansinho. Quando chegou a hora, depôs as armas e afastou-se do campo de batalha sem alarde. E os quadrinhos brasileiros perderam um de seus maiores expoentes. Ele era um exemplo de perseverança, dignidade e amor à arte. E o seu abrupto falecimento, na madrugada do último dia 13, no Rio de Janeiro, aos 72 anos de idade, não apenas apanhou de surpresa uma imensa legião de amigos e admiradores como representa uma baixa das mais significativas na luta pela preservação e valorização dos gibis nacionais.

Flávio Colin ? ou Flávio Barbosa Mavignier Colin ? era “simplesmente o maior mestre da nona arte no Brasil, ainda na ativa”, como bem destacou Samir Naliato, do site UniversoHQ. Carioca de nascimento e criado em Santa Catarina, tinha um carinho especial por Curitiba, onde viveu algum tempo. Aqui, deixou gravada a marca de seu enorme talento na quadrinização da história da fundação da cidade, para a Fundação Cultural, durante a gestão do prefeito Maurício Fruet. É um belo trabalho, originalmente publicado em sete fascículos, que está a exigir imediata reedição. Mas Flávio teve uma longa trajetória no mundo dos quadrinhos. Dono de um estilo marcante, muito próprio, quase caricatural, mas surpreendente no jogo de luz e sombra, iniciou nos anos 50, na Rio-Gráfica Editora (hoje Editora Globo), no Rio, aos 19 anos de idade, fazendo ilustrações para as revistas X-9 e Enciclopédia. Em seguida, foi convocado para transformar em HQ o seriado radiofônico O Anjo, de grande sucesso na época. Mais tarde, assinou outra transposição, desta feita da televisão para os quadrinhos: O Vigilante Rodoviário, seriado inteiramente produzido no Brasil.

Esta, aliás, foi sempre uma das características principais de Flávio Colin. Ele era um nacionalista de carteirinha, intransigente e apaixonado. Achava Alex Raymond (de Flash Gordon), Milton Caniff (de Terry e os Piratas), Chester Gould (de Dick Tracy) e Burne Hogarth (de Tarzan) geniais, mas Super- Homem, Batman & Cia. muito chatos, “coisas de gringos”, sem nenhuma importância. Nas histórias de Colin havia de ter sempre uma mula-sem-cabeça, um saci-pererê, um caboclo ou um cangaceiro, alguma mulata, macumba e muita cerveja – coisas ligadas à cultura brasileira.

Na década de 60, participou da Cooperativa Editora e de Trabalho de Porto Alegre, a CETPA, uma tentativa apoiada pelo então governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, de criar e sustentar uma produção nacional forte de gibis. Nessa época criou Sepé, um índio guerreiro no tempo das Missões, personagem real da região missioneira gaúcha. “Era uma figura meio canonizada” ? contava -, “porque tinha um sinal na testa, uma meia-lua, que era uma falha na pele, que brilhava quando o sol batia”. Na CETPA, que, infelizmente, não durou muito tempo, Flávio teve como companheiros, entre outros, Getúlio Delphin (com O Aba Larga) e Júlio Shimamotto (com O Gaúcho). “Foi bom enquanto durou – recordaria depois -, mas logo veio a “rebordosa”, a cooperativa fechou e nós ficamos meio marginalizados.”

O negócio foi voltar-se para a pintura e a publicidade. Havia um concurso na McCann Erickson, do pneu Atlas, sob o tema “Deixe o macaco em paz”. Colin “emplacou” o macaco e fez a campanha toda. Aí ganhou um bom dinheiro. No final dos anos 70, como inúmeros outros nomes dos quadrinhos, Flávio Colin trabalhou para a Graficar, editora sediada em Curitiba, produzindo histórias de terror e eróticas. Passou também pelas extintas Outubro, Vecchi (Spektro, Pesadelo e Sobrenatural), Press e D-Arte (Calafrio e Mestres do Terror) e Bloch (Lobisomem) e ilustrou alguns álbuns sobre fatos históricos e regionais, como A Guerra dos Farrapos, A História de Curitiba, A Mulher Diaba (Editora Sampa), Lampião e O Boi das Aspas de Ouro (Editora Escala). Mais recentemente, quadrinizou Fawcett, para a Editora Nona Arte, trabalho que lhe valeu o prêmio Angelo Agostini de melhor desenhista de 2000. Outra característica marcante de Flávio Colin sempre foi a simplicidade. No modo de ser e de desenhar. Como o italiano Ivo Milazzo (de Ken Parker), Flávio evitava o excesso de rabiscos, preferia fazer com um único traço o que os outros faziam com três ou quatro.

“Prefiro usar o contraste” – confessou, certa feita. “Talvez por isso digam que eu sou moderno, que estilizo, que o meu desenho é meio caricato. É que eu acho que um bandidão tem que ter no traço, na figura, alguma coisa truculenta, que o leitor olhe e diga: ?Este aí é o bandido, e não o mocinho!? ” – completou.

Assim era Flávio Colin, um grande mestre. A sua ausência será, certamente, sentida.

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