A capacidade de sobrevivência dos afegãos remete ao próprio solo que está sob seus pés. Ocupado em 70% de seu território pela cordilheira Hindu Kush, à população sobram apenas 15% de terras secas e outros 15% de terras habitáveis. Foi nesse último terreno – onde se espremem 30 milhões de habitantes – que a repórter do jornal O Estado de S. Paulo Adriana Carranca buscou desvendar o que aconteceu após o 11 de Setembro e a invasão americana ao país.
No livro “O Afeganistão Depois do Talibã – Onze Histórias Afegãs do 11 de Setembro e a Década do Terror”, que será lançado hoje, na Livraria Cultura, a jornalista faz um mosaico humanista, a partir das consequências que a guerra trouxe a seus onze entrevistados. Para compor uma parcela representativa da sociedade afegã, ela procurou personagens que tivessem trajetórias diversas. Fatema, herdeira dos monarcas afegãos depostos pelos soviéticos, é uma delas. Assim como Wahida, uma mulher pobre que perdeu o marido, os próprios braços e que teve 35% do corpo queimado num atentado. “Todos os lados do conflito são representados nessas entrevistas”, afirma a autora. “Ouvi tanto a mulher da elite, quanto aquela sem condições econômicas. Busquei também o relato de um talibã e o de mujaheddin, entre outros.”
Se a ideia do livro foi dar voz aos afegãos que sofreram e ainda sofrem com os conflitos, de certa forma, traz também uma adendo à cobertura jornalística americana dos eventos. Ao primar pela dimensão humana da guerra, Adriana transformou o que eram números de baixa em histórias reais, com nome e sobrenome. “A cobertura americana sobre a guerra no Afeganistão concentrou-se nas dimensões política e militar”, diz. “Eu queria ir mais a fundo e saber das pessoas.”
Sobre o futuro do Afeganistão, a autora não tem muita esperança. “Se nada mudar, o país será destruído. A promessa da reconstrução não aconteceu. Há muita miséria, viúvas, órfãos e amputados que os EUA deixaram após dez anos de guerra.” Todo esse contexto fez com que ela tivesse medo nos três meses, não consecutivos, que passou em Cabul, capital afegã, em 2008 e 2011. “Meu hotel explodiu.”
Houve quem não soubesse sequer o porquê do conflito. No livro, ela relata que a dona de casa Wahida não tinha TV e que, por isso, não fazia ideia nem do 11 de Setembro, nem do terrorista Osama Bin Laden. “Toda vez que eu a entrevistava, sentia culpa”, conta. “Quando conversam com jornalistas, as pessoas esperam que alguém conheça sua situação e as ajude. Mas sabemos que isso quase nunca acontece.”
Apesar do sofrimento que presenciou, um trecho do livro mostra que a repórter pôde enxergar a resiliência que se infiltra como terra na alma afegã. “É uma gente que não tem nada, mas divide tudo, que faz crescer no solo seco e minado as flores mais bonitas que eu já vi; nos mais velhos que transmitem aos jovens a sabedoria que o Ocidente já não encontra em livros; e no respeito à família e à tribo, mais importante do que quaisquer interesses individuais.” As informações são do Jornal da Tarde.
O Afeganistão Depois do Talibã. Hoje, às 19h. Livraria Cultura – Loja Record. Avenida Paulista, 2.073. Tel. (011) 3170-4033.