Certamente o bom público que assistiu ao concerto da Osesp na sexta-feira, 13, na Sala São Paulo saiu com uma pergunta zumbindo em seus ouvidos. Afinal, por que esperamos tanto tempo para conhecer a Sinfonia nº 8 de Heitor Villa-Lobos. Depois de encantar os ouvidos de um público heterogêneo – prova do alcance desta música visceral que chega poderosa a qualquer tipo de espectador -, torna-se ainda mais incompreensível justificar o limbo ao qual foram relegadas as onze sinfonias de Villa após sua morte, em 1959.

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O argumento de musicólogos ilustres como o finlandês Eero Tarasti é que falta nelas qualidade estrutural, ou seja, são mal amarradas do ponto de vista conceitual. Mas Villa jamais pautou-se pela régua europeia, deixou fluir uma escrita que parece anárquica. Parece mas não é. Músicos, críticos, pesquisadores e público, todos, enfim, colocaram de lado este monumento que só agora tem condições de chegar em sua inteireza e coerência ao mundo inteiro. Orquestras de qualquer parte do planeta até agora não podiam pensar em executá-las, já que as partituras em manuscritos cheios de erros eram obstáculo intransponível. A edição crítica da Editora da Osesp, capitaneada por Isaac Karabtchevsky, também responsável pela regência da integral que vem sendo registrada para o selo Naxos, finalmente coloca, em nível internacional, este conjunto de obras orquestrais à disposição do mundo musical.

Já se disse que da Sinfonia nº 6 (de 1940) em diante, por exemplo, elas foram recalcadas por um establishment musical influenciado pelas novas ideias da vanguarda europeia trazidas por Koellreutter; ou que ninguém quis saber da música do Villa-Lobos depois da queda de Getúlio e por causa do envolvimento umbilical do compositor como garoto-propaganda do Estado Novo (1937 a 1945).

Baixada a poeira, vê-se que as sinfonias são de fato música de alta qualidade de invenção – não tão geniais quanto as Bachianas ou os Choros -, mas com pleno direito de frequentar salas de concerto e gravação. Principalmente quando é ouvida numa execução empenhada da Osesp sob a batuta de Isaac, cada vez mais essencial em seus gestos e compreensão das obras musicais sobre as quais se debruça. Já no Andante-Allegro inicial, está presente a poderosa orquestração tipicamente villalobiana, assim como a beleza comovente do Lento. Villa, aliás, é um dos mais incríveis melodistas do século 20, como o público pôde emocionar-se com o arquiconhecido prelúdios das Bachianas Brasileiras no. 4 com as atentas cordas da Osesp. O buliçoso Scherzo e o Allegro (justo) final lembram o Villa dos Choros finais.

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A oitava foi dedicada a Olin Downes, crítico do jornal The New York Times, e estreada em Nova York só em 1955, cinco anos depois de sua composição. Downes foi um campeão na descoberta e militância pela música de grandes compositores periféricos, como o finlandês Sibelius e o nosso Villa-Lobos. Ele divulgou ferozmente estes dois compositores nos Estados Unidos, ajudou a torná-los menos “exóticos” aos olhos e ouvidos do grande público.

A peça final deste concerto mais curto do que o normal – cerca de uma hora de música, talvez um modelo alternativo interessante ao engessado formato de duas partes com intervalo longo consumindo mais de 2 horas – foi uma das mais instigantes criações do século 20, a música para o balé O Pássaro de Fogo, que o jovem russo Igor Stravinski compôs em 1910 para os Ballets Russos de Diaghilev, na versão sinfônica de 1919. Foram os dois primeiros concertos da temporada, mas o nível da execução dá o que pensar. Os músicos gostam de trabalhar com Isaac Karabtchevsky. Seria fundamental continuar este trabalho de resgate da produção sinfônica brasileira com Claudio Santoro, por exemplo.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.