Sócrates, universalmente considerado o pai da filosofia (embora, certamente, Xantipa não tenha sido a mãe…), teria formulado, segundo o seu genial discípulo Platão, esta proposição aparentemente paradoxal: ?Só sei que nada sei?. Temos aí, a um só tempo, uma exemplar demonstração de humildade daquele que o oráculo de Delfos considerou o mais sábio dos gregos (e os gregos eram, naquele segmento da história, os mais sábios dos homens), e também uma explicitação bastante clara da típica ironia socrática.
II
Ter plena ciência do que se sabe e, simultaneamente, ter absoluta consciência daquilo que se ignora ? eis aí dois princípios basilares da pura e autêntica sabedoria. No caso, a maiúscula se torna, não apenas necessária, mas imprescindível.
III
Está no Livro de Jó, no Antigo Testamento bíblico: ?aquisição da Sabedoria é melhor que a das pérolas? Considerando que, ?n ilo tempore? as pérolas eram mais valiosas do que o ouro, temos aí configurada, em toda a plenitude, a transcendente importância da Sabedoria.
IV
A ciência ampla ou o conhecimento profundo, enriquecidos por um ?lus? específic?? a ética ? transformam-se automaticamente em Sabedoria. De fato, sem a postura ética do sábio, a Sabedoria será apenas tangenciada, mas não possuída.
V
No Livro da Sabedoria, que enriquece sobremaneira a textualidade quase cantante da Bíblia, sobretudo se a tradução portuguesa for a do padre Antônio Pereira de Figueiredo (um monumento de estilo, como ensina Antônio Houaiss), há pensamentos que às vezes são erroneamente atribuídos a Salomão. Na realidade, eles foram produzidos por um autor anônimo, ou melhor, ignorado, o que não lhes retira a profundidade e a beleza. Aí vai um deles, que é quase um cântico: ?Resplandecente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, facilmente a descobrem; os que a procuram, rapidamente a encontram.
Ela se antecipa aos que a desejam. Quem, para possuí-la, se levanta de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta? A riqueza metafórica do texto é mais que transparente. Chega a ser quase um poema em prosa, da estirpe do ?cântico dos cânticos?.
VI
Emerson, nos seus notáveis ?Essays?, escreve a certa altura: ?A súmula da Sabedoria é esta ? nunca se perde o tempo consagrado à busca da Sabedoria?.Eu ousaria acrescentar que a própria busca, em si mesma, já constitui um exercício quase litúrgico de sabedoria por parte de quem a procura.
VII
Um brasileiro ilustre também tem algo a dizer sobre a matéria em pauta. Refiro-me a esse mestre do pensamento ? e do estilo em que o expressa ? que se chamou Gilberto Amado. Escreve o autor de A chave de Salomão: ?A Sabedoria é a arte de subir ao mais alto de si mesmo?. Um aforismo admirável, na sua concisão e brevidade. E eu não resisto, do fundo da minha insignificância pensante, a complementá-lo com a sua antítese: A ignorância é a capacidade de descer aos mais fundos abismos de si mesmo…
VIII
Voltemos ao Livro da Sabedoria. Aí vai mais um versículo emblemático: ?Há na Sabedoria um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, penetrante, claro, inofensivo, inclinado ao bem, livre, benéfico, benévolo, seguro?. Temos aí a mais longa sucessão de adjetivos que eu conheço, numa só frase. Até aqui, para mim a mais extensa estava consignada no primeiro capítulo do ?Le père Goriot?, de Balzac, quando o mestre da ?Comédia Humana? se refere a ?um mobiliário velho, rachado, apodrecido, oscilante, carcomido, manco, zarolho, inválido, moribundo?. Mas não tenho dúvida: a primeira nominata é insuperável…
IX
Mais uma jóia retirado desse escrínio que é o Livro da Sabedoria: ?Qualquer homem, mesmo o mais perfeito entre os homens mais perfeitos, nada será se lhe falta a Sabedoria, que vem de Deus?.
X
A propósito do usufruto daquela verdadeira Sabedoria que torna o homem verdadeiramente sábio, lembro um pensamento de autor ignorado, mas que faz lembrar muito alguns outros formulados por Confúcio. Ei-lo: ?Existem quatro espécies de homens: os que sabem, e sabem que sabem ? são sábios, consulta-os; os que sabem, mas não sabem que sabem ? faz com que eles se lembrem e ajuda-os a não se esquecerem; os que não sabem que não sabem ? ensina-os; e os que não sabem mas proclamam que sabem ? evita-os?.
XI
Não, a Sabedoria não é uma espécie de propriedade intelectual, não é algo que se possui. Não é quantidade de conhecimento ou de ciência, mas qualidade. Ela é fruto da conjugação do intelecto e da sensibilidade.
Consiste também em se ter ciência e consciência da ignorância e, portanto, dos limites do saber. O fato de a Sabedoria tornar o homem mais sábio não significa que ele saiba tudo.
O verdadeiro sábio sabe muito bem que jamais saberá tudo, sabe que a Sabedoria é um território infinito a ser conquistado palmo a palmo, dia a dia, com sangue suor e lágrimas. A plena Sabedoria ? impossível ? é como a linha do horizonte: está sempre à vista, porém jamais a alcançamos. Mas é imperativo que se caminhe sempre em sua direção. Há felicidade em tê-la, mas também em buscá-la.
